Os dias (meses) seguintes é que se tornaram muito complicados, pelo que, e para memória histórica, transcrevo partes do episódio do "ataque" ao patriarcado relatado pela pessoa que sentiu, e de que maneira, toda a convulsão - o nosso amigo e falecido Padre José Vicente Martins sj. Recorro ao que escreveu no seu livro "Autobiografia de um Missionário Jesuíta"
Manifestação contra o Patriarcado
« (...) fui deparar com uma “manifestação vergonhosa” contra o Patriarcado de Lisboa. Faço a descrição dela, não como quem apenas assistiu, mas como quem se viu nela envolvido, participando em todos os acontecimentos aberrantes daquela barulheira ignóbil! A descrição que dela vou fazer não é baseada em qualquer informação jornalística, mas de quem esteve presente em tudo quanto se passou naquela tarde em que arruaceiros sem vergonha, puseram o mundo a rir à gargalhada à custa de um País posto a ridículo e que tinha todo o direito a ser respeitado, se não tivesse os políticos que tinha naquela altura. O dia daquela vergonhosa tarde que resolvi assinalar e denunciar, foi a 18 de Junho de 1975. Foi esse o dia e aquela tarde em que os defensores descarados da nova democracia que sem pudor nos ofereciam, resolveram vir à rua proclamar a oferta da liberdade que só alguns desenvergonhados sem puder nos queriam impingir. Fizeram-no da pior maneira, ostentando no Largo dos Mártires da Pátria frente ao Patriarcado de Lisboa a sua falta de vergonha!... O dia não foi marcado ao acaso, porque havia uma intenção declarada de entrarem em confronto com o Patriarca de Lisboa D. António Ribeiro, que sabiam tinha convidado os párocos de Lisboa que pudessem participar de tarde numa reunião que ele próprio havia de presidir, e em que estariam presentes também alguns Bispos Auxiliares. Participei nessa Reunião deslocando-me a pé da Paróquia que tinha a meu cargo. É portanto uma experiência de vida a descrição que vou fazer, porque assisti pessoalmente a tudo o que durante a reunião com o Sr. Patriarca depois dela aconteceu. Um dos Bispos Auxiliares que estava também presente na Reunião, levantou-se a certa altura para sair da sala sem explicar porquê, mas tendo boas razões para o fazer. Regressando à sala, informou-nos que estava a juntar-se em frente do Edifício do Patriarcado uma multidão de pessoas em atitude de protesto.
“Não seriam os assaltantes da Rádio Renascença sediada na Rua do Quelhas? Seria que alguns dos Sacerdotes presentes entendessem que deviam também sair à Rua para apoiarem o Sr. Patriarca?”
Levantei-me imediatamente, para também prestar o meu apoio pessoal ao Patriarca D. António Ribeiro que muito estimava e que soube estar à altura dos acontecimentos e do lugar que ocupava, avisando-nos que evitássemos atitudes provocatórias, porque a forma de nos comportarmos tinha que provar que estamos do lado de quem tem Fé e luta pela Verdade, a ponto de saber entender a recomendação de Jesus de darmos a outra face a quem nos agride batendo numa só! Disse-nos mais que tinha recebido uma proposta de apoio político que tinha rejeitado, porque não podia ficar refém de apoios políticos sobretudo quando vêem de onde provinham. Queria ficar apenas dependente do Direito e da Verdade!.... Se houvesse confrontações, podia haver quem precisasse de se refugiar no edifício do Patriarcado! Que guardássemos a entrada com toda prudência, mas permitindo a entrada a quem pedisse porque podiam ter necessidade! Estava a chegar a noite e se houvesse quem precisasse de alguma de alguma refeição, a cozinha e a dispensa ficavam abertas para quem tivesse necessidade, encontrando tudo o que houvesse”. Palavras sábias e dignas de quem ocupava o lugar cimeiro que tinha, como Patriarca de Lisboa, que todos tanto estimavam!
Encarreguei-me pessoalmente da vigilância da porta, sabendo que era um risco a que me expunha. Mas entretanto chegava a noite, e a verdade era que a posição em que Sr. Patriarca se colocava, começava a dar os seus frutos: foi assim que soubemos também por confidência sua, que “a Embaixada Alemã” ali ao lado, apenas separada por um muro do edifício do Patriarcado, oferecera o seu apoio, como fosse possível e se necessário. Não o tinha aceitado, mas com lealdade agradeceu como oferta de quem se colocava ao lado de quem respeitava a justiça: “no muro poderia facilmente abrir-se uma passagem para quem quisesse refugiar-se em “território estrangeiro”. Se lá dentro houvesse violação da protecção oferecida, teriam que entender-se com a própria Alemanha que já estava informada a respeito dos acontecimentos, com imagens enviadas não só à Alemanha, mas também à França e à Espanha que não deixariam de reprovar o que estava a acontecer.” Era isto que tinha escapado à astúcia dos bandoleiros manifestantes: as imagens difundidas pela Embaixada Alemã, tinham sido esquecidas pelos manifestantes que se julgavam donos e senhores do terreno! Afinal a vergonhosa manifestação tinha posto o mundo inteiro à gargalhada, vendo como em Portugal Católico, se atacava a própria Fé que despudoradamente afirmavam respeitar!...
Os bandoleiros manifestantes sentiram então o peso da comunicação já possível, de na hora própria informar quem está a favor do direito, ou quem tentava ser aproveitador barato da violência gratuita. Sentiram necessidade de abrandar um pouco, e depois de uma cena de apedrejamento com pedras arrancadas da calçada com que fizeram muitos feridos, apareceu a oferta de transporte em camião, a quem tivesse obrigações a cumprir, e precisasse de se ausentar, sujeitando-se uma condição: “quem quisesse aproveitar o transporte gratuito, teria que identificar-se e seria depois transportado a qualquer ponto da cidade onde pudesse estar a faltar!”
O Sr. Patriarca, revoltado com a condição, tinha respondido que se a condição fosse aceite por alguém, o primeiro a sujeitar-se à identificação seria ele próprio, mesmo sem aceitar o transporte. Interrogaram-me também se precisava de transporte a qualquer lado da Cidade, A resposta imediata que dei foi que tinha vindo a pé para o Patriarcado e que a pé voltaria a S. João Evangelista quando cumprissem a obrigação de garantirem segurança a que tinha direito conforme o dever que eles tinham de a assegurar a quem tivesse dela necessidade.
(...) Além do mais, eu não estava disposto a ser transportado como gado em camião aberto, sujeito à gritaria vergonhosa dos manifestantes que pediam para sermos levados ao Campo Pequeno para um fuzilamento em massa. Era o que podia acontecer, mas disse-lhes ainda que conhecia bem a malandragem que ali pensava estar a vencer a guerra, mas que o que salva é a Verdade e a Justiça, não a mentira descarada e opressora de quem afirmava a mentir que estavam a promover como eles sem vergonha afirmavam!...
“Pobre País que com atrevimentos selvagens, estava à mercê de quem não tinha vergonha de mostrar a cara conspurcada com aquela absurda demonstração no Campo dos Mártires da Pátria!”... Sobreviverá este Pais? O tempo o há-de mostrar, se os que gritavam defender uma liberdade responsável, tiverem a coragem de se colocarem do lado da Justiça e da Verdade!... Por agora, não era tempo o saber, porque há muita gente que foge da Verdade, preferindo apregoar mentiras que a ninguém podem salvar! Mas algum dia há-de chegar a victória da Verdade que Deus de todos pacientemente espera!... »
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Patriarcado, 18 junho 1975 |
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