QUARTA PARTE. O REI HERODES — Página: 55
(Tradução: Padre José Vicente Martns, SJ em 2013)
Fome. Os Nazarenos em
Jerusalém dão de comer ao povo. Herodes manda-os prender. Tiago Zebedeu é
morto. Pedro é metido na prisão. De forma misteriosa desaparece .Barnabé é
enviado a encontrar-se com Saulo e leva-o a Antioquia.
ATRAVÉS de toda a Judeia, Galileia e Samaria, a Igreja de Cristo aumentava em número e gozava de paz. Os que tinham fugido depois das perseguições, levaram a notícia de Jesus o Messias tão longe como a Fenícia, Chipre e Antioquia. Mas no tempo em que Cláudio era Imperador de Roma, uma grande escassez alastrou pelas terras de Este. Em Jerusalém as pessoas andavam famintas pelas ruas, e quando se sabia que o Rei Herodes estava na cidade, multidões esfomeadas juntavam-se às portas do palácio, porque o Rei tinha o controlo do abastecimento de comida da Judeia e dos distritos circunvizinhos. Herodes Agripa o Primeiro, era um Rei fantoche, responsável perante o Governador Romano pela ordem da nação Judaica, mas sem qualquer real autoridade . Educado em Roma, tinha-se afastado da religião dos seus antepassados e procurava no vestir e na maneira de viver imitar os regentes Romanos que muito admirava. Por isso, era desprezado pelo seu próprio povo e abertamente criticado pelos líderes religiosos, os Fariseus. A sua impopularidade era uma inquietante preocupação a sustentar a sua arrogância. Por vezes tornava-o verdadeiramente tímido. Naquele dia, estava reclinado no seu balcão a ouvir irritado os deploráveis gritos que lhe chegavam com o aragem fétida do verão. “Há um cheiro de morte. Por todo o lado um cheiro de morte.” Um escravo abriu um frasco de unguento precioso que lhe chegou às narinas. Um sacerdote, um dos Saduceus, que ele empregava como seu “Conselheiro Religioso'', estava a olhar para as multidões em baixo. Herodes dirigiu-se-lhe com petulância, enquanto o servo lhe ungia as sobrancelhas: “porque é que o Senhor Deus havia de resolver molestar as minhas terras com a fome? Podes responder-me a isto, meu senhor sacerdote?” O sacerdote voltou-se e disse-lhe com suavidade. “O Senhor Deus age de maneira misteriosa, vossa majestade. Fome, terramoto, praga, invasão; são coisas que vêm e vão. Mas por fim a ordem da vida não é muito perturbada.” “A ordem da vida para ti e para mim, talvez,” disse o Rei, tomando uma iguaria doce da travessa que tinha a seu lado, e segurando-a entre os dedos. “Presentes de príncipes e governadores não chegam ao encontro de todos os homens. Tu és um privilegiado, meu senhor sacerdote.” O sacerdote fez uma vénia em trejeito de mofa. A sua posição estava assegurada. Herodes mascou o doce e depois deu um suspiro de auto alívio. “Eu vou ser censurado pelo povo. Verás. Os ignorantes vão pensar que lhes estou a roubar a comida. Os Fariseus vão chamar-lhe o juízo de Deus por causa da minha maldade. Nenhum de vós compreende a dificuldade e a solidão de um Rei. Quem dera que o povo da Judeia tivesse metade da lealdade e amor que os Gentios demonstram pelo seu Imperador. César é adorado. Por lei é adorado…,” inalou o forte cheiro do unguento, “...como um deus.” Até o mundano Saduceu ficou chocado. “Majestade!” “Eu sei, eu sei. “Adorarás o Senhor teu Deus, e a Ele só servirás.” Recitou o texto como uma criança caprichosa, depois, reclinando a cabeça ungida na almofada de seda, disse pensativamente: “Contudo houve uma vez um Judeu que foi adorado como um deus. Ouvi o meu tio Antipas falar dele. Não há ainda muito tempo, diria que foi no vosso tempo. Não era mais que um camponês, creio que da Galileia, mas tinha alguns poderes de magia ou hipnotismo ou qualquer coisa. De qualquer modo, isso atraía o povo a correr para Ele. Alguma vez te encontraste com Ele?” “Sim,” disse secamente o conselheiro, “eu era membro da corte que o condenou por blasfémia.” “Blasfémia. Sim, aí está, claro.” Suspirou. “Não duram muito tempo, estes loucos Messias. Entre os sacerdotes e os Romanos, são apanhados numa ratoeira. De qualquer modo teve o Seu tempo de glória.” Subitamente as vozes do lado de fora aumentaram quando o som dos cavalos e as rodas do coche se aproximavam do palácio. O sacerdote olhou de novo por cima do balcão. “Aí vem o teu filho.” A mudança no Rei Herodes foi extraordinária, a vaidade e a petulância desapareceram do seu rosto, para dar lugar a uma expressão do mais terno amor. Levantou-se com agilidade surpreendente e deslocou-se depressa para ficar ao lado do sacerdote, e ter o primeiro olhar do seu amado filho. O Príncipe Agripa, como o seu pai tinha sido, estava a ser educado em Roma. Vivia na corte do Imperador e estava de volta à sua terra natal para férias. Quando o coche rolava através das portas do palácio os gritos eram ainda mais altos: “Pão. Dá-nos pão. Filho de Herodes, roga por nós. Os nossos filhos estão a morrer de fome. Pão… pão… pão.” Por um momento a cara de Herodes ficou ensombrada. “Pão. O vosso mago da Galileia podia ter transformado as pedras em pão para eles. A sua disposição animou-se novamente quando a princesa Berenice entrou na sala. “Já chegou, pai, já chegou. Eu vi o coche do meu balcão. Há uma multidão enorme à porta para lhe dar as boas vindas. Todos a gritarem e a acenar com os braços.” O Rei beijou-a, partilhando a sua exaltação, depois deu um passo atrás para apreciar a sua bonita e animada filha. “Estás muito bonita.” “Irá ele pensar o mesmo?” A jovem princesa adorava o seu irmão mais velho. Antes de Herodes poder responder, fez-se um anúncio. “O príncipe Agripa, vossa majestade,” e Blasto o camareiro do Rei, introduziu na sala um alto e bem parecido jovem escuro e de feições Asiáticas, mas no vestir e no comportamento, um jovem Romano. “Meu filho!” Herodes levantou os braços. “Aba!” na sua emoção a palavra Hebraica da sua meninice acorreu aos lábios do rapaz ao abraçar o pai. Com os olhos a brilhar de soberba e amor, o Rei levantou o filho à altura dos braços, agradado com o seu esplêndido desenvolvimento e com a sua apresentação principesca. “O meu rapaz é um homem. Que vestidos, que maneira de estar. Pareces um jovem Imperador. “Pareço de facto?” Exibiu-se diante deles, mostrando os seus vestidos e a sua musculatura. “Como um verdadeiro Romano?” Notou então a sua irmã, que estava exaltada e impaciente, preparada para dançar. “Menina Berenice!” Ela correu para os seus braços mas deteve o passo, a fazer pose. Era a sua vez de ser admirada. “Mas, estás muito crescida. És muito linda.” “Como uma princesa?” “Como uma deusa!” Herodes associou-se ao riso, e pondo um braço à volta de cada um dos seus filhos, levou-os ao balcão. Agripa acomodou-se no sofá, enquanto um servo avançava com água e lhe lavava os pés. “Phew! Que viagem, Eu sabia que havia fome, mas não fazia ideia que fosse tão má. “O meu filho tem fome?” “Não, não tenho fome. Trouxemos provisões da Itália, que são também suficientes para o palácio. Mas senti-me mal, posso dizer-vos, a viajarmos pelo país bem alimentados e trazendo uma carga de camelo de provisões.” “Mal, porquê mal?” perguntou Berenice, sentada aos pés de seu irmão e de cabeça reclinada nos seus joelhos. “Porque as pessoas estão a morrer de fome, irmãzinha; mulheres e crianças a morrer nos campos, enquanto escavam na terra tentando encontrar uma raiz ou de um grão de trigo. Eu devia ter-lhes dado o que trazia, é o que penso.” “Não, não, meu filho.” Herodes não podia suportar que algum dos seus filhos passasse necessidade. “O que trazias, embora fosse muito, não seria mais que uma mão cheia de grão para repartir entre tantos. Alimentar apenas algumas pessoas, não resolveria nada.” Mas o jovem príncipe não podia sentir-se confortado. “Foi pior fora das portas do palácio. Estava lá uma multidão enorme, e quando o coche passou, começaram a gritar…” “Eu ouvi-os,” disse Berenice alegremente. “Estavam contentes e a gritar por tu teres chegado cá.” “Oh, não. Eles gritavam, “dá-nos pão, filho de Herodes, dá-nos pão.” Inclinou-se para trás com um suspiro quando o servo lhe banhava a testa, “antes lhes tivesse dado o que trazia.” A princesa levantou-se, decidida a mudar o súbito sentimento de tristeza que estava a prejudicar o regresso do seu irmão a casa. Bateu o pé, com zombaria a criançada. “Parece que vos importais mais com aquela gente lá fora que com a vossa família!” Deitou-se confortavelmente no sofá ao lado dele. “Não trouxeste nada de Roma para mim?” Como ela esperava, Agripa correspondeu à sua ansiedade. “Sim, trouxe, estava a esquecer-me.” Colocou um braço a abraçar a sua irmã. “Para ti e para o pai.” Voltou-se para o camareiro. “Blasto, onde estão os presentes que eu trouxe?” “Eu vou buscá-los, senhor.” Os gritos em baixo tinham acabado. Agripa, motivado pelo súbito silêncio, levantou-se e olhou por cima da balaustrada. A multidão ainda estava lá, mas agora dois homens andavam por entre eles, transportando cestos de pão. “Andam lá alguns homens a dar comida ao povo.” E voltou-se para seu pai perguntando com ansiedade. “Foste tu que os mandaste, pai?” Herodes deslocou-se ficando junto do seu filho. “Blasto pode ter dado ordens como lembrança da tua vinda a casa. Ele é um cavalheiro esperto para fazer uma coisa certa no tempo certo…” Neste momento chegava Blasto com um grande cesto. Colocou-o no sofá ao lado de Berenice. Ela levantou a tampa e com um grito de satisfação tirou um magnífico xaile de seda entretecido de oiro e prata. Colocou o xaile sobre a cabeça. O seu irmão sorriu para ela e disse com orgulho: “É como o que as senhoras usam na corte do Imperador.” Foi ao cesto e tirou outra peça ricamente tecida. “Para ti, pai. É um presente do próprio Cláudio.” Herodes corou de prazer quando pegou na lembrança do Imperador. “Põe-no, pai. Põe-no já,” pedia a sua filha. Não foi precisa mais persuasão, e dentro de um minuto estava ele diante deles com uma toga de púrpura real, cravejada com uma águia de oiro. Os filhos riram deliciados. “Avé César! Avé César!” clamava Agripa, e levantava os braços em saudação real. Estava de volta o ambiente de alegria. A fome estava esquecida. Mas a cerimónia Romana brincalhona foi interrompida pela entrada apressada do sacerdote: “Majestade… oiça…o povo junto das grades.” O riso parou, e da parte de baixo ouvia-se um som de cântico. “O que é isto?” perguntou Herodes. “Um hino de boas vindas para o meu filho?” “Não, senhor, não é.” Admirado com a pressa com que falou, Blasto atravessou logo para a balaustrada e olhou para baixo para a multidão. Herodes acariciou a túnica de seda. “Bem, pelo menos já não estão mais a gritar “Dá-nos pão. Foste tu Blasto que lhes deste alimentação?” O camareiro retorquiu admirado. “Dei-lhes alimento? Não, senhor. As vossas ordens eram guardar os estoques, sem dar nada às pessoas. Agripa olhou com dureza para o seu pai, que evitou encará-lo. “Eu pensei que podia contar contigo para usares a tua discrição, Blasto,” disse ele. “Teria sido um belo gesto. Um gesto popular.” O camareiro corou. Agripa voltou-se para o sacerdote. “Alguém lhes deu alimento. Quem foi?” “Os Nazarenos.” Toda a petulância e irritabilidade de Herodes tinham voltado. Estava furioso com os seus dois ministros, porque de alguma forma o desacreditaram aos olhos de seu filho. Nazarenos? De que é que vocês estão a falar? Querem dizer Nazaritas?” Eu pensava que esses pertenciam a uma seita que vivia no deserto a passar fome.” “Vossa Majestade deve ter ouvido falar dos Nazarenos. Estavam a falar do seu líder ainda há pouco. O milagreiro de Nazaré da Galileia.” “Vós dissestes-me que esse homem tinha morrido.” Blasto, o diplomata, interveio. Sendo Romano, Herodes ouvia-o com maior simpatia do que ao sacerdote. Aqui estava uma oportunidade para se redimir, depois da reprimenda da alimentação. “Jesus de Nazaré foi crucificado há alguns anos, vossa majestade, mas de vez em quando os Seus seguidores, conhecidos como “Os Nazarenos”, ainda conseguem agitar alguma gente do povo. Agora há muito que não têm causado qualquer perturbação; mas acredito que houve uma rebelião pouco depois da Sua morte e o Senedrim optou por uma acção de carácter bastante violento.” Voltou-se para o seu colega. “Não foi assim?” Os dois ministros estavam agora um de cada lado de Herodes. O Romano e o Judeu. O último, ansioso por ter a sua oportunidade de falar, aceitou com agrado a pergunta do seu colega. “Sim, é verdade. Nós pensávamos que eles tinham sido completamente afastados como elementos perigosos. Mas parece que os que fugiram de Jerusalém depois da grande purga, têm estado a ganhar força noutros países. Em Antioquia em particularmente. Foi daí que a última perturbação alastrou.” Desesperado Herodes gritou alto: “Que perturbação? Que foi que aconteceu?” Por fim, o sacerdote conseguiu transmitir o que tinha vindo dizer. Falou apressadamente e com urgência: “Os Nazarenos de Antioquia colectaram grandes somas de dinheiro e uma enorme abundância de abastecimento para mandar para os Nazarenos de Jerusalém. Todos os dias têm estado a distribuir alimentação e a aproveitar a oportunidade, podes ter disso a certeza, para pregarem o seu Messias crucificado. Alguns deles estão agora fora do palácio, a partilhar o seu pão com o povo. Parece terem um fornecimento inesgotável.” “Que importância tem donde vem a alimentação,”perguntou Agripa, “contanto que o povo seja alimentado?” O sacerdote virou-se para ele e falou com dureza. “Tem uma grande importância. Já foram recebidas queixas dos Fariseus, que toda esta histeria “Jesus o Messias” está a espalhar-se entre os pobres.” Olhou outra vez para o Rei. “O próprio Sumo-sacerdote enviou um pedido para prenderes quaisquer Nazarenos que entrem nas instalações do palácio.” Herodes não gostava de envolver-se em qualquer discussão religiosa. “Se é um assunto de religião, é o Sumo-sacerdote que deve apresentar as suas próprias acusações e tratar de prender os culpados.” “Não é só um assunto do Sumo-sacerdote, senhor. É um assunto que pode afectar vossa Majestade muitíssimo seriamente. Diz-se que mesmo os Gentios estão a tornar-se membros deste bando de hereges. Isto quer dizer que o poder da nossa lei Hebraica, os seus códigos, as suas punições, podem enfraquecer na opinião do povo. A posição de vossa Majestade depende tanto do Templo como do Imperador de Roma!” Herodes pareceu diminuir um pouco na sua toga real Romana; contudo falou em tom de desafio. “Eu sou o Rei, neto de Herodes o Magno. A minha autoridade está no meu sangue real.” “No entanto um da própria família de vossa majestade, juntou-se aos Nazarenos em Antioquia.” “Um dos nossos, quem?” “Manaen, irmão de seu tio Antipas.” O Rei voltou-se para o seu conselheiro Romano. “Que devo fazer, Blasto?” O apelo soou quase patético. O camareiro respondeu rapidamente. Ele tinha compreendido e pesado a situação e reconheceu os seus perigos. “É verdade, vossa majestade, que um tempo de fome é um tempo maduro para rebelião. Quando o povo tem fome, a sua única lealdade é para com aqueles que lhe dão de comer. E se um líder avança com a promessa de “Um novo caminho de vida,” como creio que estes homens prometem, e podem ao mesmo tempo alimentar as suas barrigas famintas…” encolheu os ombros. “Bem, senhor, eu concordaria que o assunto é perigoso.” Herodes ficou calado no meio dos seus dois conselheiros, como figura majestática, no entanto ligeiramente ridícula, com o rosto enrugado de aborrecimento e desgosto por esta situação inesperada que lhe estava a ser atirada para cima. O súbito silêncio na sala, deu-lhes a perceber que lá fora havia silêncio também. Uma reacção de esperança transpareceu na compostura perturbada de Herodes. Talvez estes aborrecidos Nazarenos se tivessem retirado. Se fosse o caso, não precisava de fazer nada. Mas Agripa é que foi ver o que estava a acontecer. As multidões não tinham desaparecido. Se havia qualquer mudança, era no número de pessoas que era maior do que antes. Berenice juntou-se ao seu irmão no balcão. “Quem são todas aquelas estendidas no chão?” “Mendigos aleijados, suponho,” replicou Agripa. “Ou pessoas famintas, demasiado fracas para estarem de pé.” “Mas eles estão levantados!” A voz dela foi um sobressalto de exaltação, “olha, vê aquele homem além”. Ela apontou, e o príncipe viu um homem magro, esfarrapado, apoiado na parede do palácio. “Esse fica junto do portão todos os dias. Mesmo antes da fome, era lá que ele ficava. Vejo-o da minha janela. Tem as pernas definhadas como pequenos paus. Olha para ele agora que está de pé.” Agripa tinha entendido a exaltação dela. Os olhos dele percorriam as multidões esfarrapadas, à procura de alguma resposta para este extraordinário acontecimento. Então avistou-os. Dois homens, irmãos pelo que parecia, que se movimentavam tranquilamente através da multidão. Não traziam cestos de pão desta vez, mas davam a mão aos doentes, falavam com os aleijados, tocavam nos olhos dos cegos. Agripa pegou no braço da sua irmã e falou baixinho: “Olha, são aqueles dois além….Fica muito quieta para ouvirmos o que estão a dizer.” Berenice conteve a respiração. De baixo, as vozes chegavam-lhes muito em surdina. “Em nome de Jesus o Messias, levanta-te e anda…Não tenho mais pão para te dar, mas recebe a tua vista…Eu acredito em Jesus o Messias…Foi a tua fé te curou…Louvor ao Senhor Jesus, dono da vida…” O príncipe voltou-se e chamou por seu pai: “Estão a pôr os coxos a andar e os cegos a ver! Quem são aqueles homens?” Herodes e os seus dois ministros deslocaram-se rapidamente para ficarem ao lado dos seus filhos. Escutaram por um momento enquanto as vozes se podiam ouvir. Depois o sacerdote disse com grande agitação: “Isto tem que acabar. Tivemos o mesmo no Templo antes de o Sumo-sacerdote ter ordenado a purga. Isto de alimentar e curar os pobres é mais perigoso que todas as suas palavras blasfemas.” “Desde quando foi um crime curar os doentes?” perguntou o jovem príncipe com determinação. “Que é isto, feitiçaria?” disse a princesa, admirada e exaltada. O Rei falou mais para si próprio do que para os outros: “Milagreiros! Milagreiros mesmo às minhas próprias portas,” murmurou. O sacerdote continuou como se ninguém tivesse falado: “Se permites que isto continue, vossa majestade, a coisa alastrará para além de todo o controlo. Então intervirá a corte civil e tu vais encontrar-te espoliado de todo o poder. Deves mostrar agora a esse povo, que um Herodes pode ainda uma vez mais ser chamado “O Magno.” “Herodes o Magno,” murmurou o Rei. Estava irresoluto. Agripa olhou para ele, admirado e chocado. “Mas ele era um tirano, pai!” Agir correctamente aos olhos do seu filho era mais importante para Herodes do que qualquer outra coisa no mundo. Perfilou-se citando as palavras conhecidas, “embora seja preferível agir com rigor do que ter coração mole.” “O meu avô era um tirano.” O sacerdote sabia como apelar para a vaidade e sonhos de glória do Rei. Ele não ia permitir que um príncipe adolescente diminuísse a sua influência, e falou em voz alta: “O teu avô matou à espada milhares de crianças inocentes quando apenas se suspeitava ter nascido um novo rei de Israel. O teu tio executou o homem que anunciava a chegada de alguém “Maior do que reis.” Mas tu…” Deixou que o escárnio dessa cor às palavras, “tu vês a nação ameaçada por traidores, tens o nome deste falso Messias proclamado contra ti às portas do teu palácio, e não levantas um dedo para salvar o teu reinado.” Claramente o Rei ficou abalado. Uma vez mais fez um apelo para o seu conselheiro Romano. “Blasto?” A avaliação do camareiro foi diferente. Prática, urbana, fleumática. “Eu penso que a atitude de Roma devia ser que se fosse descoberta uma agitação de qualquer espécie, onde quer que fosse ou de qualquer maneira anormal, devia ser esmagada. Cortada pela raiz.” “Pela força?” “Pela força se necessário.” Contra a sua vontade, Agripa sentiu-se influenciado pela atitude do oficial Romano. Mas fez um último apelo: “Mas pode haver centenas deles. O meu pai não é um tirano. Não massacra os seus próprios concidadãos.” “Pode não ser necessário derramamento de sangue, se a acção for feita rapidamente,” continuou Blasto, tomando conta da situação com tranquilidade. “Prendam aqueles dois homens lá em baixo, saibam por eles o nome do seu líder actual, e procurem saber onde é o seu quartel general.” “Imaginemos que não dizem?” interrompeu Berenice, mostrando-se incomodada pela reviravolta dos acontecimentos. “Serão torturados?” Herodes reafirmou-se. Não era ele o Rei? O sacerdote tinha razão, também ele devia ser conhecido como “O Magno.” “Um homem que não fale quando o seu Rei manda será castigado à espada.” Levantou o braço num gesto majestático. “Vai, Blasto.” O camareiro apressou-se a sair. Berenice deu um ligeiro suspiro de mórbida antecipação, mas Agripa, muito perturbado, pegou na mão que lhe estava a ser estendida. “Pai!” Prontamente o sacerdote interveio. “Vós tendes agido de forma sábia, senhor. Conforme as palavras do Sumo-sacerdote noutra ocasião, “É preferível morrer um só homem pelo povo, que perecer toda a nação.” Na sala de cima, Rhoda estava a dispor pratos e copos, “Ainda que só o Senhor saiba,” pensou ela, “se vai haver alguma coisa que lhes aconteça.” Eles tinham-lhe mandado preparar a ceia todas as noites como de costume, desde que a fome tinha começado. Mas muitas noites não tinha havido nada para comer. E agora, quando toda aquela comida e dinheiro tinha chegado de Antioquia, em vez de encherem a dispensa, tinham levado tudo com eles de manhã, o dinheiro e também a comida. “Oh, bem,” pensou ela, “eu julgo que eles é que sabem melhor.” E começou a cantarolar uma breve canção, para ajudar a esquecer a fome que tinha. A porta abriu-se e Pedro entrou na sala com um grande cesto nos braços. Rhoda sorriu para ele ansiosamente quando ele pôs o cesto no chão a procurar dentro dele. “Aí tens, Rhoda, isto é para a nossa ceia,”disse, pondo-lhe nas mãos alguns pequenos bocados de pão. “Bem,” disse Rhoda, “não deixaste muito para vós, devo dizer.” Contou os pães que estavam em cima da mesa: “Cinco pequenos pedaços de pão para todos vós, e só Deus sabe quantas pobres almas vão trazer com eles.” Pedro sorriu. E como para si próprio disse. “Cinco pães e dois peixes.” “Onde estão os peixes?” Parecia estar a voltar de um sonho. “Nem sequer alguns peixes para hoje. Mas sabes, Rhoda, uma vez quando estávamos com o Mestre, tinham-se juntado cinco mil pessoas para O ouvir falar. Estavam acampados por cima dos montes, e ali ficaram até ser noite. A milhas de qualquer povoação. Nós pensávamos que iam começar a ficar inquietos quando tivessem fome, porque não parecia que tivessem trazido alguma coisa com eles para comerem. “Conhecendo-vos, eu imagino que também não tivésseis para vós,” censurou Rhoda. “Tínhamos cinco pães e dois peixes pequenos.” Já sei o que me vais dizer,”suspirou ela. “Foram dar-lhes tudo.” “Sim. Foi justamente o que fizemos. Partilhámos o que tínhamos com toda aquela gente.” “Com cinco mil?” Rhoda riu-se. “Deve ter havido muita gente que foi embora com fome.” “Não. Nem um. Todos os homens, as mulheres e as crianças naquela enorme multidão foram alimentados e satisfeitos. E o que é mais, recolhemos doze cestos, cestos grandes como este aqui, cheios de restos quando já estavam saciados.” Rhoda estava acostumada a milagres, mas este batia-os a todos. Apenas suspirou. “Foi esse o dia,” continuou Pedro, “em que as pessoas gritaram, “Jesus o Rei.” “Não admira!” suspirou Rhoda. Pedro sentou-se e começou a descalçar as sandálias. “Todo o dia tenho andado a pensar nisto,” disse ele. “Andar à volta a dar comida às pessoas com todo este alimento que veio de Antioquia, a pensar se haverá suficiente para dar a todos…Tenho-me lembrado daquele dia.” Subitamente ouviram-se pegadas a correr pelas escadas acima. A porta abriu-se e João entrou à pressa. Estava desgrenhado e com dificuldade de respirar. Empurrou a porta, e depois encostou-se a ela a arfar. Pedro levantou-se e foi ter com ele. "João, o que se passa? Que é que aconteceu? Onde está Tiago?” “Ele ficou preso.” Rhoda deu um grito e, com as mãos a tremer, conseguiu encher um copo de água. Pedro chegou-o aos lábios de João. Ele sorveu a água e depois contou a sua história. “Nós estávamos fora do palácio de Herodes, a dar comida às pessoas que ali se tinham juntado…Foram os guardas do Rei....Saíram subitamente e dispersaram as multidões… Depois agarraram-nos e perguntaram o nome do nosso líder e onde era o nosso lugar de encontro. Tiago protestou que não tinham o direito de nos prenderem…Estávamos numa rua pública e não tínhamos feito nada contra a lei…Subitamente todos eles puxaram da espada…Foi quando eu consegui libertar-me, mas apanharam Tiago…Eu penso que o levaram para o palácio…. Corri tão depressa quanto podia para vos avisar…mas podem ter-me seguido…Tens que fugir, Pedro, e de alguma maneira temos que avisar os outros.” Mas era demasiado tarde. Ouviu-se o barulho de pegadas através do pátio e pelas escadas acima. Os três na sala, percebendo que estavam encurralados, voltaram-se para a porta. Foi aberta à força e dois dos soldados de Herodes ficaram aprumados à entrada. “Aí está ele,” gritou um, apontando para João. O seu companheiro agarrou-o. Rhoda procurou escapar-se pela porta e foi ela própria também apanhada. Com as palavras do Seu Mestre Pedro proferiu alto: “Sou eu o homem que procurais, deixai ir estes embora em liberdade.” Olharam para ele. “És tu o líder?” “Sim.” Os soldados riram. Ele era verdadeiramente um prémio. Libertaram João e Rhoda e tomaram conta de Pedro, prendendo-lhe os braços com correntes atrás das costas. Enquanto o empurravam para a porta João foi pôr-se à frente deles. “Onde está o meu irmão?” Os soldados olharam um para o outro. Depois um deles disse: “Era o teu irmão? Está lá em baixo.” Dirigiu-se à porta e gritou para o fundo das escadas, “Trazei-o para cima.” Cambalearam pés pela estreita escada acima, e depois à entrada apareceram mais dois soldados a trazer o corpo de Tiago. Sem uma palavra deixaram cair a carga aos pés de João, levando da sala o seu prisioneiro. João e Rhoda estavam gelados com o choque ao ouvir as pegadas a descer escadas abaixo e através do pátio. Então Rhoda tapou a cara e caiu no chão a chorar tranquilamente. João ajoelhou-se ao lado do seu irmão morto, também ele a chorar. Depois, enquanto acarinhava a cabeça dele nos seus braços, olhou para aquela cara muito amada, lembrando uma das últimas coisas que Jesus tinha dito naquela sala. Rhoda levantou a cabeça ao ouvi-lo a dizer baixinho: “Não há num homem maior amor do que este. Dar a sua vida pelos seus amigos.” Simão Pedro estava deitado a dormir na sua cela da prisão. Ao seu lado no chão estavam sentados dois guardas aos quais os pulsos dele estavam acorrentados. Os dois dormiam também. A porta pesada estava trancada por fora e dezasseis soldados tinham sido ali colocados por Herodes com o especial encargo de guardar a cela do prisioneiro. Enquanto dormia , Pedro teve consciência de uma luz a brilhar na sua cara, e uma voz a dizer: “Levanta-te depressa.” Abriu os olhos e viu um homem de pé em frente dele. Pedro esfregou os olhos, duvidando se estava a dormir ou a sonhar. O homem falou de novo. “Levanta-te e calça as sandálias.” Pedro olhou para as mãos, e com admiração viu que as cadeias tinham sido tiradas dos seus pulsos e que estava livre. Depressa meteu os pés nas sandálias e levantou-se. “Agora veste o teu casaco e segue-me.” Ainda a pensar que estava a sonhar, acompanhou o homem para fora da porta aberta da cela, passou pelos soldados no corredor, na direcção da grande porta de ferro que dava acesso à rua. A porta moveu-se a abrir, e Pedro e o seu companheiro saíram para a cidade silenciosa e enluarada. Na sala de cima tudo estava tranquilo enquanto os irmãos da cidade rezavam pelo seu líder, que subitamente lhes tinha sido tirado. Rhoda foi a primeira a ouvir um súbito e forte bater na porta do pátio. Admirada, levantou a cabeça e olhou à volta do grupo silencioso. Mais ninguém parecia ter ouvido. As suas pernas tremiam e o seu coração batia de medo quando se levantou. Fazia parte das suas tarefas abrir a porta. Sabia que devia ir sem perturbar os outros, mas imaginar que eram outra vez os soldados? Ninguém notou quando ela saiu da sala. Desceu as escadas a correr, atravessou o pátio escuro e deserto, e depois ficou junto da grade a ouvir. Ao segundo forte e apressado toque o seu coração quase deixou de bater. Por um momento não conseguiu falar, e depois com uma voz trémula e sumida, perguntou timidamente: “Quem é?” “Sou eu, Pedro, abre a porta.” Com o som de uma voz familiar, que ela não esperava voltar a ouvir, Rhoda perdeu a cabeça completamente. A rir e a chorar ela clamava: “Pedro? Oh, oh, oh, Deus seja louvado, senhor, estás livre. Deus seja louvado. Ele ouviu as nossas orações,” e na sua exaltação, esquecendo-se completamente de abrir a porta, correu escadas acima a gritar, “Mestres, mestres, Pedro voltou para casa!” As pancadas na porta continuavam quando ela entrou a correr na sala de cima: É Pedro. Lá, na porta de entrada.” Um a um os irmãos levantaram-se, olhando para ela com admiração. “Tu estás doida, rapariga,” disse Tiago o Justo. “É ele! É ele!” gritava Rhoda. “Eu conheceria a sua voz em qualquer lado.” “Talvez seja o espírito dele,” sussurrou Marcos. As pancadas continuavam, fortes e apressadas. Rhoda voltou-se e desceu as escadas de novo, seguida de Marcos e Barnabé. Rhoda teria destrancado a porta imediatamente, mas Barnabé impediu-a e perguntou: “Quem está aí?” “És tu Barnabé? Por amor de Deus, abram a porta.” Como Rhoda tinha dito, não havia engano naquela voz. Imediatamente Barnabé destrancou a porta e puxou Pedro para dentro. Os dois homens abraçaram-no calorosamente, enquanto Rhoda, com a voz a elevar-se para um grito de alegria, dançava à volta deles: “Aí está, vêem! Desculpe, senhor, eu estava tão entusiasmada que me esqueci de abrir a porta.” “S-sh! disse Pedro. “Não tão alto.” “Vamos subir depressa,” urgia Barnabé, mas Pedro acenou com a cabeça. “Não, eu não vou entrar. Este é o primeiro lugar onde me procurariam.” “Como foi que saíste?” perguntou Marcos. Alguém me deixou sair.” “Quem?” “Eu pensava primeiro que estava a sonhar. Ele veio directamente à cela onde eu estava a dormir... Segui-o para a rua e então desapareceu.” “Um anjo?” perguntou Rhoda com um suspiro de admiração. “Eu não sei. Mas homem ou anjo, foi trabalho do Senhor.” Por um momento nenhum deles pôde falar, tão grande era a alegria e a gratidão. Então Barnabé relembrou o que na altura era mais urgente. “Para onde vais agora, Pedro?” “O Senhor me mostrará, não tenhais medo. Mas isto pode significar o fim da nossa igreja em Jerusalém, por algum tempo pelo menos, por isso vos digo o que deveis fazer. Vai a Tarso, Barnabé, ao encontro do nosso irmão Saulo. Leva-o contigo para Antioquia. Lembras o que ele disse quanto a ser uma testemunha para os Gentios? Bem, diz-lhe que o seu tempo chegou. Tu e ele juntos, fortaleceis a igreja em Antioquia. Leva o jovem Marcos contigo. Agora dizei aos outros irmãos lá em cima o que vos disse a vós, e que o Senhor esteja com todos vós. Pedro abraçou os seus amigos, colocou por um momento as mãos sobre a cabeça de Rhoda, e escapou-se a coberto da noite.
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Pedro na prisão |

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