QUINTA PARTE. DE SAULO a PAULO — Página: 67
(Tradução: Padre José Vicente Martins, SJ em 2013)
Os primeiros chamados “Cristãos” em Antioquia. Barnabé, Saulo e Marcos embarcam para Chipre. O Procônsul converte-se. Saulo torna-se Paulo. Paulo e Barnabé viajam pela Galáxia. Marcos abandona-os. Rejeitado pelos Judeus, voltam-se para os gentios.
ANTIOQUIA da Síria era a maior e mais rica cidade do Este, a terceira maior cidade do Império Romano, alinhando a seguir em importância com Roma e Alexandria. As ruas colunadas tinham pavimento de mármore. Havia hipódromos, teatros, banhos, fontes e templos de todos os deuses debaixo do sol, nesta sofisticada cidade cosmopolita onde a cultura da Grécia, a civilização de Roma, o mistério e a sabedoria de Este andavam misturados.
Nas praças do mercado, oficiais Romanos, artistas Gregos, comerciantes Judeus, malabaristas, mendigos, dançarinos, citadinos com as suas túnicas longas de seda, camponeses das aldeias próximas com as suas curtas túnicas toscas e botas altas de cabedal, homens livres e escravos de todas as raças e cores andavam a tratar dos seus negócios ou estavam por ali de pé a conversar.
Dois jovens, estudantes como pareciam, iam conversando animadamente enquanto passeavam pelo meio desta atarefada e viva multidão. Naquela altura um deles parou, pegando no braço do seu companheiro.
“Olha,” disse ele. “Vê aquele alto rapaz preto. Andava comigo na universidade.”
O seu amigo reparou num Africano alto e forte, que estava de pé com um grupo de homens no outro lado da rua.
“Chama-se Simeão Níger. Por Zeus, como está mudado.”
“De que maneira?”
“Bem, costumava ser um moço tão sério e rigoroso. Um grande estudante da religião e da lei Hebraica, sempre a ler e a jejuar a imitar os Judeus –.” O jovem ficou embaraçado, e depois voltou-se para o seu amigo com um sorriso. “– Desculpa, Silas, mas tu sabes o que se passa com os convertidos à tua fé. Tornam-se mais Judaicos que os próprios Judeus.” O jovem Judeu sorriu. “De qualquer modo, o pobre do velho Simeão costumava apresentar-se como se carregasse aos ombros todas as preocupações do mundo. Bem, olha para ele agora.”
Olharam novamente para o outro lado da rua. O Africano ria com os seus amigos, e muitos dos que por ali passavam, voltavam-se para olhar para aquele extraordinário grupo de homens felizes.
“Eu posso dizer-te alguma coisa a respeito deles.” O tom do seu amigo era tão sério que Tito olhou para ele surpreendido.
“Podes?”
“Sim. São uma nova seita que começou na sinagoga. Adoram “O Cristo.”
“Que é isso? Um novo deus? Nunca mais acabarão os milagres, se os Judeus tiverem encontrado um novo deus!” Depois, como o seu amigo não fez nenhum comentário, perguntou: “Como é que eles se chamam, nessa seita?”
“A irmandade.”
Tito sentiu a sua curiosidade aumentar. “E que é que este novo deus, este – “Cristo”– faz por eles?” perguntou.
“Eu não sei. Mas são um grupo muito feliz. Ouvi dizer que descobriram novas formas de curar os doentes. Não penso que isso queira dizer alguma coisa. Mas fazem muito bem no meio dos pobres.”
“Curar os doentes, eh? Devo dizer que isso me interessa. Vamos falar com eles.”
Tito ia mesmo a atravessar a rua quando Silas o segurou pelo ombro.
Espera um pouco, há mais três homens que se juntaram com eles. Viajantes como parecem.”
Simeão saudou o seu amigo Barnabé com um grito de alegria. Os outros viajantes, um operário de tendas que levava a ferramenta, e um jovem que parecia ser uma espécie de secretário do grupo, porque levava rolos de papel e escovas, a quem antes não tinha ainda encontrado. Barnabé apresentou-os como Saulo de Tarso e João Marcos de Jerusalém. Simeão abraçou afectuosamente os estrangeiros e apresentou-os aos seus amigos líderes da fraternidade de Antioquia, Lúcio de Cirene e Manaen dos herodeanos. Os olhos de Saulo brilhavam em transporte de exaltação. Parecia um homem que estivesse a voltar a casa, depois de um exílio prolongado. Somente o jovem Marcos estava um pouco à parte; admirado e confuso com a estranha atmosfera não-Hebraica da cidade e com aqueles moços da irmandade.
Depois das saudações Simeão devolveu o seu sorriso radiante ao amigo:
“Que notícias correm em Jerusalém, Barnabé?”
“Más notícias, sinto muito.” O sorriso de Simeão esbateu-se. “Mas tem coragem, irmão, há muito trabalho aqui para fazer. Onde podemos ir conversar?”
“Venham ao meu alojamento,” disse o Africano, pondo um braço à volta do ombro do seu amigo e conduzindo-o estrada abaixo.
“Simeão?”
Simeão voltou-se e viu um jovem a correr ao seu encontro. A sua cara iluminou-se com gratidão e levantou os braços.
“Tito!” O jovem correu para o seu abraço. “É bom ver-te. Como estás tu, rapaz?”
“Eu estou bem,” disse Tito a arfar, “e tu também, quanto aparentas. Diz-me, é verdade que serves um novo deus estrangeiro?”
“O quê!” O Africano riu à gargalhada. “Tu conheces-me melhor do que isso. Eu deixo os deuses estrangeiros para vós homens da Grécia e de Roma!”
Eu ouvi dizer que eras um… um… “Cristo Homem.”
“Cristo Homem?” É a primeira vez que oiço esse nome!” disse a rir Simeão, e depois ao notar o olhar inquisitivo dos olhos do outro que estava a zombar do seu próprio tom, falou mais seriamente:
“ Mas eu sei a que é que te referes. Queres saber mais do Cristo que servimos?”
“Sim. Quero.”
“Então, vem a um dos nossos encontros.”
“Onde?.”
“Na minha loja, na mesma antiga na Rua Signon.”
“Quando?”
Simeão riu-se delicadamente com a impaciência do rapaz.
“Em qualquer tarde. Serás muito bem-vindo.”
“Podes contar comigo.”
Simeão apertou-lhe a mão e conduziu os seus hóspedes estrada abaixo na direcção do seu alojamento. Silas juntou-se a Tito onde estava à espera” deles.
“O que é que ele disse?”
“Convidou-me para um dos seus encontros. E eu vou.”
Silas riu-se. Era a sua vez de gracejar com o seu amigo.
“Tu ainda vais tornar-te um Homem de Cristo, Tito. Mas tens que corrigir os teus modos se o fizeres.”
“Porquê?”
“Bom, por todo o seu bom humor, oiço dizer que são contra uma quantidade de coisas que se passam nesta cidade. Não te esqueças que é uma seita Judaica.”
Tito respondeu-lhe com uma gargalhada. “Nós também temos a nossa religião, bem sabes.”
“Talvez”, disse Silas, determinado a ter a última palavra. “Mas é frequentemente em nome da religião que se cometem as piores infâmias.”
“Tu és tão mau como o meu tutor,” respondeu Tito a rir. “ Ele estava a dizer há apenas alguns dias que – “A Religião nesta cidade, hoje em dia…”, imitava a voz de um homem idoso, “…consiste em perverter-se com um milhar de infâmias e despojar-se dos últimos sinais de virtude.”
Silas riu-se enquanto Tito continuou no seu normal tom de voz.
“Seria melhor tu vires também, Silas, e acompanhares-me com o teu rigoroso olhar Hebraico. Quem sabe, talvez os dois venhamos a tornar-nos “ homens de Cristo.”
Tito e Silas eram apenas dois dos milhares de Judeus e Gentios que aderiram à irmandade de Cristo em Antioquia. O nome “Homens de Cristo”, tornou-se amplamente adoptado, e muito depressa foi abreviado, de maneira que os irmãos de Antioquia eram reconhecidos por aqueles que estavam fora da Igreja, como “Cristãos.”
Saulo trabalhava duramente no seu negócio de fazer tendas, e quando trabalhava no seu tear ou com agulhas e linha, falava com aqueles que vinham à oficina, clientes, camponeses, homens letrados, mendigos, comerciantes, estudantes, peregrinos – falava com eles sem parar do amor de Deus, da irmandade do homem, e da nova vida que lhes tinha sido dada por Cristo Ressuscitado. Dia após dia, depois do trabalho, pregava nas ruas e nas praças do mercado, e cada dia trazia novos crentes para a irmandade devido ao seu zelo e ao seu dom da palavra.
Para Barnabé era um nunca acabar fonte de admiração e alegria ver o mesmo fervor e zelo religioso que tinha inflamado Saulo o perseguidor, a inflamar agora Saulo o apóstolo de Cristo. Desejava que pudessem viajar ainda até mais longe, “A todo o mundo” como o Mestre lhes tinha dito, e fazer com que a chama da fé e amor fosse uma tocha a levar luz a todo o lado. Rezava para que essa oportunidade pudesse chegar. A sua oração teve resposta e um dia ele, Saulo e Marcos, despediram-se dos “Cristãos” de Antioquia e foram ao porto de Selêucia para embarcarem para Chipre.
Estes eram países pagãos, alguns deles povoações de guarnição de Roma, outras cidades onde predominava a influência Grega, e algumas povoações e aldeias mais pequenas onde os habitantes pareciam ter escapado à influência e ao culto até dos deuses mais antigos. Mas em cada lugar existia uma comunidade Judaica, e onde havia Judeus havia uma sinagoga, e era nas sinagogas que Paulo e Barnabé pregavam a sua mensagem. Quando Paulo pregava, o doente e cansado viajante transformava-se. Era como se a própria chama da vida, vida como a que Deus deu ao homem não corrompido, gozosa, cheia de graça e verdade, ardesse nele como uma tocha e se derramasse dos seus lábios em palavras de fogo. Mas os chefes nestas remotas sinagogas não estavam de forma alguma satisfeitos ao verem os seus membros a ir atrás destes pregadores viajantes que traziam uma tão estranha e perturbadora mensagem. Em Icónio a pequena comunidade Judaica tinha agregado ao seu número prosélitos de entre alguns dos mais ricos e mais influentes cidadãos Gentios, e foi no Sábado que Paulo e Barnabé foram convidados a falar na sinagoga que estava cheia. Depois de o Rabi chefe ter feito a leitura da Lei e dos profetas, dirigiu-se aos visitantes. “Meus irmãos, damo-vos as boas vindas à nossa sinagoga. Se tendes alguma mensagem de encorajamento para as pessoas, teremos todo o gosto em vos ouvir falar.”
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Marcos abandona Paulo e Barnabé |
Paulo levantou-se e tomou o seu lugar ao lado do Rabi. “Homens de Israel, e todos vós que temeis Deus.” A sua voz ecoou, atingindo não só os que estavam na sinagoga, mas também a multidão dos pagãos que se tinham juntado à volta da porta aberta. “A mensagem que vos trazemos é esta: a promessa feita aos nossos antepassados foi cumprida. “O Único Santo de Israel”, o Amado Filho de Deus, nascido da linhagem de David segundo a promessa de Deus, o longamente-esperado Messias, veio até nós.”
Houve uma agitação e um burburinho entre o povo, e o Rabi sentou-se à parte na sua cadeira surpreendido. O pregador continuou. “Não veio sem ser anunciado. Lembrais a promessa de Deus: “Eis que envio antes o meu mensageiro para preparar o caminho?” Esse mensageiro era um homem do nosso próprio tempo chamado João, que gastou a vida a motivar as populações de Israel a preparar-se para o seu Messias e a baptizá-las em nome daquele que havia de vir. Assim, o povo de Israel estava preparado para acolher o seu Messias… E Ele chegou enquanto João ainda O anunciava.”
O Rabi sentou-se apreensivo, quando excitados sussurros e murmúrios de descrença começaram a ouvir-se na congregação.
“Sim, meus amigos.” Calaram-se novamente, a olhar para o pregador. “Depois de João,
Deus enviou o Seu próprio Filho para viver entre o Seu povo como um homem entre os homens…Mas o povo de Jerusalém e os seus regentes não O reconheceram. Acreditareis vós quando vos disser que prenderam o seu Messias e convenceram o Governador a condená-lo a ser executado como um criminoso?”
De novo se levantaram vozes e agora havia arrepios de horror, de mistura com excitação de descrença.
Mas nós vemos agora que até isto estava de acordo com as Escrituras. Vós lembrais as palavras: “Foi desprezado e rejeitado pelos homens… Levado como um cordeiro para o matadouro…” Jesus o Salvador foi crucificado; mas isto não foi o fim. Foi de alguma maneira o princípio. Havia outra profecia para ser cumprida: “Deus não permitirá que o Seu Santo Único experimente a corrupção.” Jesus morreu na cruz, o Seu corpo foi sepultado num túmulo, mas…Deus ressuscitou-o dos mortos.”
Não houve agora murmúrios, mas para o Rabi, o silêncio que se seguiu a estas últimas palavras era ainda mais agoirento. Como o silêncio que acontece antes de um terramoto. Os seus sentidos e o seu fértil cérebro de estudioso, pareciam estar em guerra dentro dele, enquanto esperava com os outros pelo que poderia vir a seguir.
Como se fosse uma resposta a uma pergunta não feita, a voz de Paulo elevou-se de novo: “Foi visto por aqueles que tinham vindo com Ele da Galileia, homens que tinham trabalhado com Ele durante três anos, e que estavam aos pés da cruz quando Ele morreu. Falaram e comeram com Ele muitos dias depois de ter ressuscitado dos mortos.
Estes homens são as Suas testemunhas em Jerusalém. Nós, somos as Suas testemunhas diante de vós…Vimos dar-vos a boa nova…O perdão dos pecados é-vos oferecido através deste homem Jesus, mesmo daqueles pecados dos quais a lei de Moisés nunca poderia libertar-vos. Uma só coisa é necessária…Que acrediteis n’Ele.”
O silêncio da congregação arrebatada foi perturbado, quando com irados murmúrios alguns dos mais velhos começaram a abrir caminho para a saída da porta. Paulo ouviu-os e clamou: “Tende cuidado meus irmãos, não seja caso que a reprimenda do profeta se possa aplicar a vós.” Os homens abrandaram um pouco, meio virados para o encarar, embaraçados por serem discriminados desta maneira, mas não querendo ser considerados grosseiros. Paulo desenrolou o pergaminho que tinha na mão, e leu com tranquilidade as palavras do profeta. “Olhai para isto, vós almas desprezíveis, e perdei-vos em admiração. São tais os milagres que estou a fazer nos vossos dias, que se alguém vos viesse contar a história, não acreditaríeis nela.”
As bem conhecidas palavras que tinham sido lidas naquela sinagoga em muitos Sábados, pareceram de repente saltar para a vida. Pareceu ao Rabi estar a ouvi-las pela primeira vez. E quando Paulo enrolou o manuscrito e desceu da plataforma do pregador, ele levantou-se como se fosse para lhe falar, mas não houve conversa. Paulo fez-lhe uma vénia e depois seguiu pelo meio da multidão silenciosa, passou pelos homens hostis que o olhavam com fria admiração, e juntando-se a Barnabé, saiu para a luz do sol. Logo os dois missionários foram rodeados pelos cidadãos pagãos que tinham estado a ouvir da porta e pelas mulheres da galeria superior que tinham corrido escadas abaixo para os cumprimentarem. A congregação empurrava-se através das portas para se juntar à multidão do lado de fora, e as suas vozes agudas e exaltadas eram ouvidas pelo Rabi que estava sozinho na sinagoga vazia. Que havia de pensar? Que havia de fazer? Todos os seus anos de trabalho, a fé de seus pais, a lei Hebraica que tão estritamente tinha ensinado e cumprido, tudo parecia estar a desmoronar-se aos seus ouvidos. A vida não tinha sido fácil para ele neste distrito longínquo e pagão, tão afastado da terra-mãe. Não tinha sido fácil para ele guardar e orientar o seu rebanho. Mas tinha tido algum sucesso não apenas nisto, porque tinha conseguido atrair convertidos à fé Judaica de entre alguns dos cidadãos mais influentes. Homens Gentios e mulheres que davam generosamente para apoiar a sinagoga e os Judeus mais carenciados. Mas agora o quê? Parecia que o seu rebanho começava já a abandoná-lo para seguir o portador de algumas novidades fantásticas. O Messias de Israel tinha chegado. Era fantástico? Podia ser reconhecido como verdade? Que iam pensar os prosélitos mais ricos? Que diziam as autoridades de Jerusalém? Quem podia aconselhá-lo? Não foi deixado só por muito tempo.
“Rabi! Rabi!”
Um comerciante rico, um dos mais influentes Judeus da cidade, aproximou-se dele apressadamente.
“Que é que isto quer dizer, Rabi? O que é que vais fazer?”
Ainda indeciso, o Rabi respondeu, “Não sei.”
“Sabias que eles iam falar daquela maneira?”
O Rabi dominou a sua indecisão por um momento. Aqui estava uma pergunta a que podia responder.
“Não. Como podia eu saber? Eram visitantes da terra mãe. Homens da nossa fé actualizada de Jerusalém. Naturalmente pedi-lhes que nos falassem, para nos darem qualquer mensagem da terra de Israel. Como podia eu adivinhar que a sua mensagem havia de ser…isto?”
Antes de o comerciante poder falar, outra pessoa se tinha aproximado, um jovem rapaz
ainda muito novo. “Rabi. É verdade o que estes homens dizem? Que o Messias já veio?”
Aqui estava uma pergunta a que não podia responder. Olhou para a cara corada e exaltada do rapaz. “Não sei.” O comerciante ficou chocado. “Não sei? Tens que saber. Reparou nos seus olhos enevoados, e na expressão indecisa. “Rabi! Não queres dizer que tu acreditas que esta fantástica história pode ser verdadeira?”
“Rabi, é verdade?” Estavam cada qual de seu lado, os representantes do seu rebanho, um velho ortodoxo, e um jovem a procurar saber. E ele, o pastor, sem poder orientá-los. “Centenas da nossa gente estão a acompanhá-los para as suas instalações. Alguns dos pagãos também. Está certo que nós possamos ir ouvi-los, Rabi?”
Está certo? Um rapaz que ele tinha ensinado desde criança, esperava uma palavra sua. Tinha obrigação de transmitir-lha. Mas ele estava calado.
“Tens que dar ao povo uma orientação.” A voz do comerciante traduzia o eco dos seus pensamentos. “Desculpa-me, Rabi, mas tens obrigação. Um rumor como este vai espalhar-se como fogo, se não for imediatamente apagado. Vai dividir as pessoas que não saberão que caminho seguir.”
Ele tinha obrigação de falar. A sua voz foi hesitante. “Se eu pudesse saber por autoridade de quem eles espalham este…este rumor. Pode vir do Templo.”
“Mas não disse ele que foram os regentes do Templo os que rejeitaram o Messias?” interrompeu o jovem rapaz. O comerciante estremeceu com esta pergunta, mas o rapaz não fez caso disso. “Foram os regentes do Templo, não foram, os que O entregaram para ser executado?”
“Assim vêem,” disse o comerciante em triunfo, há já divisão. Mesmo em Jerusalém, pelo que parece. Não podemos permitir que aconteça cá. Somos aqui tão poucos.” Aproximou-se ainda mais do Rabi e pegou-lhe no braço. “Tens que te impor– desculpa-me
se pareço estar a querer ensinar-te, meu Rabi – mas tens que te impor com força a um dos lados.
Mas que lado? Era como se as duas vozes fossem as vozes da sua consciência. Disse o que pensava em voz alta. “Um lado ou o outro lado.”
O comerciante soltou uma horrorosa arfada, mas a voz do rapaz levantou-se em exaltação.
“Então pode ser verdade? Pode ser como disse o pregador, que chegou o tempo da libertação.” Pegou na mão do Rabi e suplicou como uma criança. “Posso ir, Rabi, posso ir ouvir o que eles têm para nos dizer?”
“Rabi!” era a advertência do outro lado. A mão amiga no seu braço transformou-se em aperto férreo. Foi isto que lhe deu a solução. A mão confiada da criança pareceu-lhe mais importante que o aperto da mão do homem influente. Voltou-se para o rapaz. “Sim, podes ir, meu filho.” Sentiu o aperto do seu braço a abrandar e ouviu outra horrível arfada. A sua voz recuperou a autoridade familiar quando falava como um mestre ao seu aluno. “Mas lembra-te de tudo o que te foi ensinado. Usa o teu juízo e não te deixes desencaminhar.” Olhou para o jovem a correr e ouviu-o a chamar os seus amigos, “O Rabi diz que sim…Ele diz que pode ser verdade…De qualquer modo não há perigo em ouvir….Vamos lá, qual foi o caminho por que foram?” As vozes foram esmorecendo. O Rabi tomou uma decisão. Encaminhou-se para a porta. A voz do comerciante resmungava atrás dele: “Para onde é que vais?”
“Tenho o dever de falar com estes homens.”
“A mão agarrava-lhe de novo no seu braço. A voz entrava-lhe nos ouvidos. “Fala com as pessoas. Tu és o líder espiritual neste lugar. Afirma-te agora, Rabi. Põe estes homens fora da cidade.” Apesar da sua tristeza, a voz do Rabi foi firme “Tomarei a atitude que julgar necessária.” Libertou o seu braço do aperto controlador e encaminhou-se para a porta, passou por um grupo de mulheres que estavam fora, e abalou pela estrada que estava agora deserta. O comerciante seguiu-o até à porta, e ficou com as mulheres , a olhar para o homem que se afastava.
“Bem realmente!” queixava-se uma senhora elegantemente vestida. “Eu pensava que o Rabi tivesse alguma coisa a dizer-nos. Eu particularmente desejava falar com ele.”
“Ele não sabe o que há-de fazer disto, esse é o problema,” disse o comerciante que estava irritado mas nada desmotivado por causa de o Rabi não ter feito caso da sua advertência. “Ele tem que afirmar a sua autoridade depressa, como lhe disse. Mas ele é manso, como sabeis. Eu não quero faltar-lhe ao respeito, mas é como muitos desses homens letrados, incapazes de tomarem uma decisão numa emergência.”
Ele encontrava-se rodeado, o único homem no meio grupo de mulheres preocupadas.
“Mas o que é que se há-de pensar?
“Porque é que se permitiu a estes homens virem pregar tais disparates blasfemos?”
“Na sinagoga de todos os lugares!”
“Que lhe pareceu isto, senhor?”
A última pergunta veio da mulherzinha humilde que estava a seu lado. Ele começou por se divertir. “Puro disparate, claro. E disparate maldoso, também. O Rabi devia ter mandado calar o pregador logo que ele começou com essa conversa do Messias. Agora todos os jovens estão animados e exaltados, e se não formos muito cuidadosos, será formado um novo “culto”. Bem, se for assim, tem que ser fora da sinagoga. Temos que ser firmes quanto a isso.”
“Eu não sei o que o meu marido dirá,” disse uma prosélita Gentia rica. “Ele era contra eu adoptar a fé Judaica logo ao princípio. Mas se ele ouve falar disto…”
O comerciante rico concordou calorosamente com esta senhora influente.
“Assim é que está certo.” “É assim que deve ser. Nós da verdadeira fé seremos considerados ridículos, e perderemos todos aqueles que ganhámos para o Senhor Deus.
“Bem, o Rabi perderá com certeza o meu apoio se encorajar esta espécie de coisas,” disse com firmeza a senhora, sentindo tudo tão importante e acertado como o comerciante. “O que mais me atraiu acerca da vossa fé desde o princípio foi a sua solidez, a sua imutabilidade. Um Deus, uma Fé, Uma Lei. Mas se vamos aceitar estas estranhas ideias de homens a ressuscitar dos mortos…”Acreditai neste homem e sereis salvos”… toda essa espécie de coisas a serem admitidas, bem, não seremos muito diferentes dos pagãos que estão sempre a seguir deuses estrangeiros conforme a fantasia os encaminha.”
A mulherzinha que era Judia perguntou. “Não pensam que poderia haver nisto alguma verdade?”
O comerciante rico, um homem da mesma raça, olhou para ela condescendentemente.
“Minha querida senhora, eu sou um homem negociante e, embora seja eu a dizê-lo, eu sei como um negócio se faz. Sei o tempo próprio e o caminho certo para andar com as coisas. Bem, com todo o devido respeito e sem querer ser irreverente, eu não esperaria menos do Senhor Deus que de mim próprio.” Fez uma pausa para permitir que as mulheres assumissem este extraordinário e atrevido pronunciamento. Olhavam para ele à espera da próxima pérola de sabedoria a sair dos seus lábios. Inspirou profundamente e dirigiu-se a todas elas. “Imaginam que Deus, o Todo-Poderoso e Omnipotente Senhor, havia de escolher uma tal forma de enviar ao Seu povo escolhido o seu Messias? Sem ser conhecido a não ser dos Seus parentes imediatos, preso como um impostor pelos próprios sacerdotes de Deus em Jerusalém, e executado como um criminoso? Qual, com todo o devido respeito, seria a vantagem disso?” Houve respeitosos murmúrios de concordância, mas a pequena mulher persistia.
“Mas dizem que Ele ressuscitou dos mortos.”
“Dizem, dizem!” O homem rico voltou-se para ela irritado. “Não consegues ver que não há mais que mentiras e rumores?” Ela não respondeu a esta pergunta retórica, mas continuou a olhar para ele inquisitoriamente. Havia uma nota de exasperação na voz dele ao continuar. “É possível que esses fanáticos que O seguiram quando Ele estava vivo acreditassem que Ele era o Messias. Então foi condenado à morte. Eles não puderam suportar terem sido enganados, e por isso inventaram essa história.”
“Mas porque haviam de fazê-lo?” A sua voz foi tímida e o olhar que ele lhe lançou devia impedir mais perguntas, mas ela não tinha tido uma resposta satisfatória e a sua dúvida tornou-a corajosa. “Eu quero dizer, porque é que eles haviam de andar todo este caminho para contarem uma história tão extraordinária a não ser porque ela era…” Ela corou e corrigiu-se a si própria, “…a não ser por acreditarem que era verdadeira?”
A senhora rica tinha tido o suficiente desta argumentação enfadonha, e antes de o comerciante poder pensar numa resposta suficientemente arrasadora, levantou a voz. Era uma voz aguda, que se impunha a ser ouvida: “Se eles acreditavam ou não que era verdadeira, não importa nem aqui nem lá. O que importa é que tal ensino não tenha lugar na sinagoga.” Ela incluiu os Judeus tanto no seu olhar fulminante como no seu gesto de varrer de mão. “A não ser que eu não tenha percebido nada daquilo que me foi ensinado.”
O homem de negócios que conhecia o caminho certo para andar com as coisas, sabia também como cativar os fregueses. Voltou-se para ela e o seu olhar de admiração não era completamente fingido. “Está perfeitamente certo. Absolutamente correcto. Eu digo muitas vezes que vós os recém-vindos à fé, apanhais a verdade das coisas melhor que alguns de nós que fomos educados nela.” Olhou para a mulherzinha para que estas palavras produzissem o seu efeito antes de continuar. “Não que nós não acreditemos que o Messias há-de vir – esperamos esse dia não menos ansiosamente que os nossos antepassados. Serei o primeiro a afirmá-lo. Mas quando vier, será com sinais e milagres. Não haverá dúvida na mente de qualquer verdadeiro crente. Ele virá em glória e com anjos a anunciá-lo. Não dependerá de um viajante sujo, operário de tendas para nos contar a história em segunda mão.” Ficou satisfeito com o seu discurso. Parecia-lhe que tinha exposto todo o assunto em poucas palavras. Mal podia acreditar nos seus ouvidos quando a voz tímida a seu lado persistia de novo.
“Mas há diversas formas de sinais e milagres. É como ele disse, com aquele pequeno texto das Escrituras que citou no fim…” São tais as maravilhas que estou a realizar nos vossos dias, que se alguém vos contasse a história não acreditaríeis nela.”
Ela olhou à volta para todos os rostos. Todas estavam a olhar para ela em silêncio como se tivesse dito alguma coisa indecente e, subitamente embaraçada com a sua própria coragem, corou e saiu apressadamente. O comerciante olhou para ela com frieza e voltou-se para a sua senhora aliada. “Vedes como são apanhados. As mulheres, com todo o respeito que vos é devido, minha senhora, as mulheres e os jovens serão os piores. Temos que tomar as coisas nas próprias mãos. Se o Rabi não agir, podemos convocar uma reunião de cidadãos liderantes. Há um grupo deles membros da sinagoga, como sabeis. Podemos tratar todo o assunto numa base oficial.” O homem de negócios era um cidadão leal e espirituoso. “Não há lugar para perturbadores neste lugar. Eu penso que poderei fazer com que se juntem alguns colegas meus a elaborarem uma queixa. Contanto que os afastemos da sinagoga, não haverá perigo. Depressa serão escorraçados da povoação pelos Gentios.”
Assim em Icónio, como noutras localidades, a população estava dividida. Muitos ouviam o ensino dos apóstolos, mas outros, principalmente os cidadãos líderes e Judeus influentes, acusavam-nos de blasfémia e feitiçaria e conseguiram expulsá-los da povoação. Antes de saírem, permitiram que Paulo fizesse uma última declaração na sinagoga. “Nós somos irmãos da mesma raça,” disse ele, “e era importante que a palavra de Deus fosse trazida até vós em primeiro lugar. Mas uma vez que a rejeitais, voltamo-nos para os Gentios.”
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Paulo e Barnabé na sua viagem através da Galáxia |
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Paulo e Barnabé rejeitados em Icónio |

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