OITAVA PARTE. DIANA DOS EFÉSIOS — Página: 121
(Tradução: Padre José Vicente Martins, SJ em 2013)
Paulo estabelece muitas Igrejas na Grécia.
Regressa a Éfeso: é atacado pelos artífices da prata do Templo de Diana.
Paulo resolve ir a Jerusalém. Janta com os seus amigos em Troades e fala-lhes até à meia-noite. Eutiques cai de uma janela alta: Paulo devolve-o ao pai.
DEPOIS do amargo desapontamento de Paulo com o seu fracasso em Atenas, foi para Corinto onde ficou com amigos operários de tendas, Áquila e sua mulher Priscila. Manteve contacto com Lucas por carta, utilizando muitas vezes o voluntário Timóteo como seu escriba, uma vez que Timóteo e Silas já lá se tinham juntado com ele, trazendo mensagens de fé e de amor de Lucas e da jovem igreja em Filipos.
Passados três anos e meio em Corinto, Paulo entendeu ter chegado o tempo de voltar a visitar as Igrejas da Ásia e Síria. Priscila e Áquila acompanharam-no até Éfeso, a capital da Ásia, onde iam ficar à espera do regresso de Paulo.
Em Éfeso estava o Templo de Diana, a deusa da fertilidade, venerada por toda a província Romana da Ásia. A sua grande estátua, que se acreditava ter caído do céu, estava à entrada do Templo, e os artistas da prata faziam um rendoso comércio, vendendo réplicas da estátua aos residentes e visitantes.
Áquila e Priscila, um casal tranquilo, já de idade, cuja forma familiar de vida podia desmentir o facto de serem dois dos mais destemidos e leais seguidores de Paulo, continuavam com o seu trabalho de fabricar tendas nesta cidade, interrogando-se todos os dias como Paulo estaria a negociar e quando voltaria para junto deles. Mas naquela noite falavam de outra pessoa. Alguém que os tinha emocionado e provocado admiração.
“Aquele jovem rapaz, Apolo, que falou na sinagoga – que pensas dele?” perguntou Priscila, quando se sentou a tecer.
“Tenho a impressão,” respondeu o marido, “que ele terá ouvido algures a história de Jesus e sente o solene dever de a difundir.”
“Os dois concordavam que as palavras do jovem lhe provinham do coração, e que era um orador nato como Paulo, apesar de nunca ter ouvido falar dele nem do trabalho das igrejas.
“Devias ter-lhe pedido para vir aqui visitar-nos”, disse Priscila.
“Eu pedi-lhe,” respondeu o marido com um sorriso. “Ele vem cá hoje.”
Priscila, desapontada por não ter sido prevenida, deixou o trabalho e apressou-se a ir buscar pão, vinho e fruta.
“Não seria maravilhoso,” disse ela, “se pudéssemos juntar um grupo de irmãos, uma igreja, em Éfeso para darmos as boas vindas a Paulo quando ele voltar?”
“Bem,” disse o marido, mencionando dois dos amigos que Paulo tinha atraído, “Gaio e Aristarco estão cá, e talvez Timóteo venha também.”
“Eu espero que venha,” disse Priscila, enquanto verificava o que tinha posto na mesa.” “Que bom seria se Paulo tivesse levado Timóteo com ele; são como pai e filho.”
Bateram à porta, e Áquila levantou-se para abrir. À entrada estava Apolo. Era um rapaz muito bem parecido, alto, forte e destemido, que trouxe uma sensação de vigor jovem à pequena sala, quando entrou nela.
“Bem-vindo, meu filho. A minha esposa, Priscila. Este é Apolo, minha querida, o jovem que ouvimos na sinagoga no último Sábado.”
“Priscila acolheu-o com simpatia, e quando o convidou a sentar-se e lhe trouxe um copo de vinho, disse-lhe quanto ela e Áquila tinham ficado emocionados pela maneira como falou – e de coisas tão de acordo com os seus corações.
Apolo tomou um gole de vinho. “Eu falei de Jesus de Nazaré,” disse ele, “que acredito ser o Messias de Israel.”
“Diz-nos, como foi que ouviste falar dele?” perguntou Priscila.
“Por meio de alguns homens que tinham sido seguidores de um chamado João Baptista. Sabem alguma coisa dele?”
“Oh sim”, disse imediatamente Áquila. “Claro que sim. Eu e a minha mulher nunca o encontrámos, porque somos naturais de Itália e aqui é a parte mais oriental em que estivemos. Mas sabemos de João, lembras-te dele, Priscila: o homem da Judeia que anunciou a vinda do Messias.”
“E esses homens falaram-te de Jesus?” perguntou Priscila.
“Não”, disse Apolo. “Tudo o que sabiam era que João tinha sido preso e depois decapitado por Herodes Antipas. Estavam ainda à espera da vinda do Messias.” Depois disse-lhes que ao terminar os estudos na universidade de Alexandria, decidiu gastar um ou dois anos a viajar, para ver o mundo. Nunca tinha esquecido a história que tinha ouvido, e ao chegar à Judeia tentara descobrir mais alguma coisa. Então, quando já quase tinha perdido toda a esperança , encontrou dois homens em Jericó que tinham a certeza absoluta que aquele que João anunciava já tinha vindo.
“Quem eram eles?” perguntou Áquila.
“Um deles era um cobrador de impostos, um agradável homem baixo de negócios, chamado Zaqueu; o outro, seu dedicado amigo que vivia com ele, era um homem chamado Bartimeu, tão diferente do seu amigo como possais imaginar. Um cavalheiro alto, de voz rouca – que me disse ter passado todo o seu começo de vida nas estradas, porque tinha nascido cego.”
“Cego!” balbuciou Priscila. “Pobre rapaz.”
“Mas ele não era cego quando o encontrei,” continuou Apolo, “e foi assim que soube da história de Jesus de Nazaré. Parece que precisamente depois de João ter morrido, se espalhou à volta da Judeia e da Galileia a notícia de outro, maior que João, que tinha o poder de curar os doentes e até de ressuscitar os mortos. Um homem chamado Jesus. Bartimeu tinha ouvido dizer que homens cegos tinham recuperado a vista por meio deste Jesus, e quando chegou a Jericó a notícia de que Ele e os Seus discípulos vinham pela cidade a caminho de Jerusalém para a Páscoa, Bartimeu se foi colocar junto das grades e clamou, “Filho de David, tem pena de mim!” Acreditou que Jesus era o Messias, vêem.”
Contou a história da cura de Bartimeu aos seus amigos ansiosos, e como Jesus tinha dito, “Foi a tua fé que te curou”; e que num instante aquele que era cego, logo a seguir viu a face de Jesus a sorrir-lhe.
Houve uma pausa de silêncio enquanto os três estavam maravilhados com o milagre.
Então Priscila perguntou, "E o que se passou com o outro homem?”
“Zaqueu, o ex-cobrador de impostos? Jesus foi ficar na casa dele. Parece que Zaqueu era odiado na cidade porque se aproveitava da sua posição para enriquecer…Se o vissem agora, não poderiam acreditar que ele tinha sido assim. A casa – e é uma grande casa –está aberta a toda a gente. Viajantes, comerciantes, mendigos, viúvas e órfãos, doentes, aleijados e, claro, o cego, podem ficar ali na casa dele o tempo que quiserem.”
“E foi Jesus que o mudou?” Perguntou Priscila.
“Sim. Ele diz que “viu a luz” tanto como Bartimeu. Diz que era como se antes tivesse andado perdido, no meio das suas riquezas; uma forma de andar prisioneiro da sua própria ganância.”
“Que é que Jesus fez?” perguntou Priscila, e Apolo respondeu que Zaqueu não falava muito disso, mas que estava tão certo como Bartimeu. Somente referiu a Apolo uma coisa que Jesus lhe disse: “Foi para isto que Eu vim, procurar e salvar o que andava perdido.”
Novamente os seus ouvintes ficaram em silêncio. Os olhos do jovem brilhavam. Estava cheio de fé. Ele era verdadeiramente um daqueles de quem Jesus disse,”Bem-aventurados aqueles que sem me terem visto, contudo acreditaram.”
“Isto foi tudo,” disse Apolo por fim. “Isto foi tudo o que ouvi acerca dele – excepto que Ele foi morto. Não podia acreditar a princípio. Parecia-me que uma tal pessoa nunca devia morrer.”
Priscila e Áquila olharam um para o outro. Sentiram que deviam cuidar deste precioso dom da fé com cautela. Então Áquila decidiu levar Apolo ao conhecimento de toda a verdade, passo a passo.
“E tu tens estado a pregar sempre acerca dEle nas sinagogas, desde então?” perguntou.
“Tinha que o fazer,” declarou Apolo. ”Tornou-se na minha vida a coisa mais importante. Compreendem, apesar de Ele ter sido morto, apesar de ter sido arrancado à vida no primor da sua idade – tinha apenas trinta anos como sabem – estou certo que podemos guardar o Seu nome e a Sua mensagem viva. Eu penso que Ele queria que isso acontecesse.”
“E qual pensas ser a Sua mensagem?” perguntou Áquila.
“Era a fé em Deus e na Sua bondade. Amor pelo nosso próximo, mesmo por aqueles que parecem não merecer. E um completo desprendimento do nosso bem-estar e segurança, mesmo até à morte. Foi a maneira de Ele viver, e é a maneira que Ele deseja que nós vivamos.”
“Apolo, meu filho,” disse Áquila muito emocionado. “Deus enviou-te a nós. Sabes tanto da verdade apesar de estares ainda no princípio. Primeiro, fica a saber isto. Não estás só, no trabalho pelo qual entregaste a tua vida. Por toda a Síria e Ásia e partes da Grécia há grupos de pessoas – chamamos-lhes igrejas – dedicadas ao serviço de Jesus.”
“Mas como …” ia Apolo a perguntar admirado.
“Como ouviram eles falar dEle?” Através dos Seus mensageiros: através daqueles que O conheceram quando Ele estava vivo, os Seus discípulos; e através daqueles que O conheceram mais recentemente.”
“Que queres dizer?” perguntou Apolo.
Áquila sentou-se ao lado dele, e Priscila aproximou-se. Havia um ar de tensa expectativa. Podiam eles – um casal simples e fiel – apresentar as suas admiráveis novidades de maneira aceitável ao jovem rapaz, ou deviam, como Paulo em Atenas, remeter-se ao silêncio?
Devagar e com cuidado, Áquila explicou que Jesus estava ainda vivo, para aqueles que tinham fé nEle. Alguns viram-nO, outros ouviram a Sua palavra, muitos sentiram a Sua presença. Ele nunca O tinha visto, mas tinha sentido a Sua presença muitas, muitas vezes. Na verdade, neste momento Ele estava muito perto.
“Queres dizer a Sua alma – o Seu Espírito?” perguntou Apolo admirado.
“O Seu Espírito Santo,” replicou Áquila, sorrindo, e continuando na sua forma familiar.
“A Sua “Santa Alma,” se quiseres. Mas não um fantasma do outro mundo: Um espírito real, vivo, pronto a derramar-se em todos os homens, para os libertar das suas velhas vidas pecaminosas e uni-los com o Pai Celeste. Foi isto que Jesus veio fazer, e está ainda a fazer – tu mesmo agora o disseste com as Suas próprias palavras…”
A cara de Apolo estava cheia de admiração e alegria. Não havia incredulidade nem por um só momento. Era como se tivesse encontrado a ligação que faltava, na fé apoiada por todo o seu coração e pelo seu raciocínio.
“Procurar e salvar o que andava perdido,”murmurou.
Este foi o primeiro de muitos encontros entre os três, – encontros em que Apolo aprendeu tudo o que Áquila e Priscila lhe podiam ensinar. Depois de ter sido baptizado, foi decidido que não devia ficar em Éfeso, mas iria juntar-se a Timóteo em Corinto. Uma vez estabelecido aí, isso libertaria Timóteo para vir para Éfeso onde, para grande alegria de Áquila e Priscila, Paulo tinha regressado e estava a pregar num grande salão chamado o “Ginásio de Tirano” diariamente, desde as onze da manhã até às quatro.Todos os dias estes encontros se enchiam de doentes e estropiados, e de pessoas que traziam roupas e lenços de mão dos seus amigos acamados para Paulo abençoar. Ele tinha realizado muitos milagres de curas, e o seu ensino tinha feito com que muitos feiticeiros Efésios empilhassem os seus livros juntos na praça do mercado e os queimassem publicamente. Isto tinha criado um grande embaraço na cidade.
Mas o sucesso da missão de Paulo em Éfeso teve um efeito muito perturbador num grupo de pessoas. Porque aqueles que se tinham tornado seguidores de Jesus já não compravam mais imagens de Diana, as vendas tinham decrescido consideravelmente, e os artistas da prata encontravam-se com dificuldade. O seu líder e porta-voz, Demétrio, um homem colérico e eloquente, preocupado com o bem-estar dos seus amigos trabalhadores, vendo a vida deles ameaçada, convocou um encontro na sua oficina.
“Camaradas,” disse ele, “muitos de vós sabeis porque é que esta reunião foi convocada. Como eu, todos vós, sois artífices experimentados na prata, e todos vós como eu, sois todos fiéis servos da grande deusa, “Diana dos Efésios”, de quem somos dependentes para o pão diário.”
Houve um sussurro de concordância e uma proclamação de “Grande é Diana dos Efésios”. Demétrio começou a aquecer para o seu objectivo. Disse-lhes que o seu pão de cada dia estava ameaçado por um estrangeiro que andava no meio deles, a espalhar mentiras. Eles já tinham certamente ouvido falar dele e do seu ensino pernicioso.
“Paulo está para destruir,” disse, “e nós trabalhadores, temos que estar unidos, e acabar com ele, antes de encontrarmos a nossa forma de viver arruinada e as nossas mulheres e filhos a terem que pedir pão.”
Um operário antigo interrompeu. “Que foi que ele fez, Demétrio? Eu não ouvi nada a respeito dele.”
“Eu vou dizer-te o que fez,” disse Demétrio. “Ele tem andado a dizer que os deuses feitos pelas mãos de homens não são deuses. Disse ao povo que é um erro adorá-los – e declarou que não têm qualquer poder.”
Um ou dois dos ouvintes riram-se, mas outros que tinham feito negócio fraco com as suas lembranças, viraram-se para eles em protesto…Demétrio voltou à carga com um exemplo prático. Mostrou-lhes a prateleira das estatuetas, e disse que no ano anterior teriam sido vendidas numa semana, estando ele a trabalhar doze horas por dia, para responder ao pedido dos peregrinos do Templo. Agora, metade do seu lote, tinha-lhe ficado nas mãos.
Outros falaram de semelhantes perdas de negócio, e aqueles que temiam o poder de Demétrio inventavam histórias, e queixavam-se que o pão lhes estava a ser tirado da boca. Demétrio incitou-os para agirem, lembrando-lhes que neste mês era a Festa de Diana, quando a cidade deveria estar cheia de visitantes estrangeiros. Eles dependiam destas semanas festivas para a maior parte das suas vendas. Iam eles ver essas vendas comprometidas por um louco perigoso?”
“Ele conseguiu ganhar poder,” disse.”Conseguiu alguma espécie de influência junto do povo. Senão porque é que deixaram de comprar as imagens? E porque será que aqueles homens – doutores, astrólogos – queimaram os seus livros?”
Uma vez que ninguém lhe respondia, ele disse-lhes o valor daqueles livros: cinco mil dracmas transformadas em fumo, mais dinheiro que o que qualquer deles podia ver em cinco anos. Um homem que era capaz de sensibilizar as pessoas sensatas a queimar bom dinheiro, só podia ser – e fez uma pausa para permitir que as palavras produzissem o seu efeito – um inimigo do povo.
“Se deixamos que este inimigo do povo continue com as suas mentiras e feitiçarias, sabeis o que vai acontecer a seguir, não sabeis? Ele vai acabar por destruir o próprio Templo.”
Ouviram-se agora gritos de fúria dos ouvintes – excepto de um velho, que garantia que Paulo não teria poder para causar muito prejuízo.
Com isso, Demétrio entrou bem no seu ritmo. Havia centenas dessa gente, não apenas Judeus, na cidade e por toda a Ásia – aumentando o seu número todos os dias. Quanto ao poder, que é que os tornou capazes de pôr coxos a andar, cegos a ver, estudantes a queimar os livros, homens religiosos a deixar a adoração dos seus deuses, se não fosse um poder maligno?
Tal era a sua eloquência que os seus amigos artífices acreditavam em tudo o que dizia: que revoltando-se contra Paulo, estavam a defender a sua religião e a sua maneira de ganhar a vida. “Vamos para a frente como um só homem,” estimulava Demétrio. “Gritando a uma só voz “Grande é Diana dos Efésios.”
Na loja de Áquila e Priscila tudo estava em paz. Áquila e Paulo estavam a examinar molhos de pelo de cabrito que retiraram de um armazém no canto da loja.
Trouxeram-nos para o banco de trabalho para fazer a selecção, e de vez em quando entregavam os fios a Priscila que estava a torcê-los em trança para serem tecidos em material de tenda.
“Isto é lã de fraca qualidade,” disse Paulo. “Não é tão bom como o que tínhamos em Corinto.”
“Eu sei,” disse-lhe Áquila. “Procurei por todo o lado pêlo de cabrito importado, mas não se vende muito, parece.”
“Tarso era o lugar indicado”, disse Paulo. “Aquelas cabras de pêlo comprido dos montes Tauro, sabes… pano maravilhoso. O melhor do mundo.”
Áquila fez notar que não obstante, tinham feito bom negócio nestas últimas semanas com os peregrinos do festival – uma vez que sendo tão difícil conseguir acomodações, tinham tido a sorte de arranjar uma tenda de alguma qualidade.
Tinham as mãos ocupadas com a escolha, e Priscila protestava que Paulo não devia estar a trabalhar, mas a descansar. Ele pregava cinco horas por dia, e isso bastava.
Paulo riu. “Se um homem não trabalhar, também não come!”
“Há que chegue para comer, sem que tenhas que estar a trabalhar dia e noite,” respondeu ela.
“Querida Priscila – tu és como uma mãe para mim,” disse Paulo.
Continuaram a trabalhar tranquilamente, demasiado ocupados para falarem muito, quando à distância ouviram gritar. Não tardou a poderem distinguir as palavras repetidas muitas vezes: “Grande é Diana dos Efésios.” Depois ouviram passos a correr estrada abaixo. A porta abriu-se, e os seus dois amigos Gaio e Aristarco, entraram na loja.
“Paulo” disse Aristarco mal podendo respirar. “Salva-te…Há um motim nas estradas… Uma multidão está a encaminhar-se para aqui.”
“Um motim? A que propósito?” perguntou Paulo.
Gaio disse-lhes para escutarem, e eles ouviram a gritaria a aproximar-se. Áquila falou com tranquilidade assegurando-os que muitas vezes eles clamavam em tempo de festival, “Grande é Diana dos Efésios; mas Aristarco interrompeu-o falando apressadamente.
“Não,” disse, “é mais do que isso. Os artistas da prata estão em revolta contra Paulo e o seu ensino. Com Demétrio à frente, conseguiram levar as multidões ao frenesim. Estão com disposição perigosa.”
Paulo continuou a trabalhar. “Estou acostumado ao perigo,” disse. “Deixem-nos vir e veremos do que é que se trata.”
“Eu posso dizer-te de que se trata,” disse Aristarco. “Estão a exigir que sejas levado ao Anfiteatro para seres acusado.”
“Acusado de quê?” perguntou Paulo.
“De sacrilégio contra a deusa Diana”, disse Gaio. “Paulo, esconde-te.” Paulo disse, sem se mover, que era capaz de enfrentar as acusações, mas quando a gritaria se aproximou, Priscila obrigou-o a ouvi-la. Ela disse que as Igrejas estavam nas mãos de Paulo – ninguém podia tomar conta desse trabalho. Qualquer deles podia ser dispensado mas ele não. Falava com grande autoridade, ignorando os protestos dele; e com a ajuda de Áquila empurrou Paulo para o armazém de pêlo de cabrito, e empilhou o tecido para cima dele até estar completamente encoberto, – mas não antes de ela lhe ter retirado o carapuço redondo da cabeça. Atirou-o então a Gaio, pedindo-lhe em voz baixa e apressada que o pusesse e que fosse com Áquila para o banco de trabalho.
Fora, Demétrio batia fortemente à porta. Numa questão de segundos Priscila estava na sua roda de fiar, Paulo estava acocorado no meio de fios, Gaio e Áquila no banco a trabalhar. Aristarco, a um sinal de Priscila, abriu a porta. Lá estava Demétrio com dois dos mais encorpados artistas da prata, e atrás deles a multidão ainda a cantar, “Grande é Diana dos Efésios.”
“Ali está ele!” Gritou Demétrio apontando para Gaio.
“Que desejam?” perguntou Aristarco, ao que Demétrio respondeu que queriam Paulo de Tarso.
Gaio levantou-se. “Que posso fazer por vós?” perguntou.
Demétrio olhou para ele. “Podes vir connosco ao Anfiteatro e depois verás,” respondeu.
Áquila tentou ganhar tempo. “Esta é a minha casa,” disse. “Deveis dizer-me quem sois e qual é o significado desta intrusão.”
“Somos trabalhadores honestos que vemos a nossa vida a ser-nos roubada por essa víbora!” disse Demétrio, e Áquila respondeu tranquilamente que também eles eram trabalhadores honestos que nada tinham feito para prejudicar quem quer que fosse.
Demétrio pô-lo de lado. “Calma, meu velho, se tens amor à vida,” respondeu, e apontando para Gaio disse aos seus companheiros, “Apanhem-no.” “Levem-no para o Anfiteatro.”
Áquila e Priscila tentaram pôr-se em frente de Gaio para o proteger, mas os dois obreiros da prata empurraram-nos rudemente e deitaram-lhe a mão, empurrando-o para a porta. Aristarco fez um esforço vão para fechar a porta e impedir a saída; mas outros dos empregados da prata tinham-se juntado ali e empurravam-na para trás. Demétrio ordenou-lhe que saísse do caminho.
“Que vão fazer com ele?” Perguntou Aristarco.
“Atirá-lo às bestas!” disse um dos obreiros da prata, e o grito foi acolhido pelos outros que estavam fora da porta. Áquila e Priscila olhavam com ansiedade para a copa onde Paulo estava escondido, certos de que ouvindo isto ele sairia a dizer-lhes quem era. Com grande presença de espírito Priscila oscilou como se fosse desmaiar e Áquila amparou-a a descer à copa, bloqueando o caminho. Demétrio procurou à volta com suspeição, mas Aristarco, percebendo que os mestres da prata deviam sair imediatamente de casa se Paulo tentasse salvar-se, simulou rapidamente um ataque aos homens na porta da entrada. Num momento estava a lutar com dois dos homens da prata, e a atenção de Demétrio foi desviada de tudo o mais.
“Apanhem também esse e tragam-no,” gritou Demétrio.
Com mais gritos histéricos a multidão arrastou Gaio e Aristarco pela porta fora e pela estrada abaixo.
Houve silêncio na sala, perturbado por um gemido de Priscila. “Deus esteja com eles,” disse ela. “Ó querido Jesus, acompanha-os.”
Áquila ajudou-a a pôr-se de pé, enquanto Paulo se esforçava por sair do seu esconderijo. Desta vez, não tinha ajuda.
“Que é que nós fizemos?” perguntava desesperado. “Entregámo-los para o quê? Deus querido, quem sou eu para que estes homens arriscassem as suas vidas por mim?”
A multidão corria estrada abaixo, tornando-se cada vez maior, até que o ruído se tornou ensurdecedor. Todos os homens gritavam um slogan, e o ambiente era aterrador com os gritos de “Atirem-nos aos leões,” “Matem-nos…”, “Abaixo com os Judeus…” “Trabalhadores de Éfeso, unidos…” “queimem os hereges…” “Deixem que as bestas tratem deles…” “Demétrio, Demétrio, queremos Demétrio…” Mas o grito que mais alto que todos se ouvia era: “Grande é Diana dos Efésios.”
Esbofeteados e a sangrar, Gaio e Aristarco eram empurrados através da multidão raivosa. Trabalhadores, loucos de irritação, agitavam os punhos e gritavam contra eles.
Continuaram até chegar ao Anfiteatro, e aí levantaram Demétrio aos ombros, e carregaram-no, rubro e triunfante, para lá das caves onde os famintos leões atrás das grades andavam continuamente para baixo e para cima.
No final da multidão um grupo de Judeus, involuntariamente apanhados no meio da gentalha tentava sair do Anfiteatro, mas encontraram o caminho impedido por alguns dos trabalhadores a gritarem que ali estava mais um grupo deles, – alguns Judeus, para serem atirados aos leões.
Aterrado, um dos Judeus argumentava com eles: “Eu sou um de vós. Sou um trabalhador do cobre. Tu conheces-me. Sou Alexandre o trabalhador do cobre!”
Foram salvos pela chegada do oficial da cidade, um homem popular que acabou com a luta dos homens da prata e dos Judeus com um grito rápido, “Ordem…ordem! Que é que está a passar-se?”
Enquanto o Judeu explicava histericamente que era o Alexandre, o empregado do cobre, os trabalhadores falavam todos ao mesmo tempo, a dizer que ele era um Judeu que queria cuspir no Templo de Diana, e que todos os Judeus deviam ser lançados aos leões.
O oficial da cidade deu ordens concisas. “Voltem para trás e comportem-se”, disse aos trabalhadores, e ao Alexandre, “Vai para casa, Alexandre, e avisa a todos os Judeus que se mantenham longe.”
O Judeu apressou-se agradecido, e o oficial voltou-se novamente para os trabalhadores.
“Agora, então”, disse, “o que é tudo isto e quem é que começou?”
Um dos trabalhadores da prata respondeu-lhe: “Demétrio, o mestre da prata, senhor, ele está ali. Está tudo em ordem, senhor; os Judeus têm andado a profanar o Templo, a destruir as nossas imagens, senhor, a queimar os nossos livros, senhor, a praticar magia negra, senhor. Demétrio tem os chefes, senhor, acorrentados, senhor, ali além, senhor…”
“Chega,” o oficial calou-o abruptamente. “Levem-me até ele. Veremos se está “Tudo em ordem, senhor’.”
Propositadamente passou através da multidão até onde Demétrio estava de pé num estrado. Gaio e Aristarco, juntamente acorrentados, estavam ao lado dele. Demétrio estava a exibi-los entre aclamações e gritos de “Demétrio”, “Demétrio.”
O oficial da cidade subiu ao palanque, e disse, “ Imponha-lhes ordem, Demétrio”.
Demétrio ficou subitamente embaraçado. “Ah, é você, senhor. Olhe, capturámos dois criminosos perigosos, senhor.”
“Já veremos isso”, disse o oficial da cidade. “Agora, ponha em ordem esta multidão.”
Demétrio respeitou a ordem da autoridade . Levantou os braços e dirigiu-se ao povo.
“Tranquilos! Tranquilos! Ordem com Sua Excelência o Oficial da Cidade.”
As aclamações e os gritos esmoreceram e foram substituídos por murmúrios de expectativa. Houve então silêncio e o oficial da cidade avançou para a frente.
“Senhores de Éfeso,” disse “penso que devem estar esgotados com tanta gritaria. Certamente que a mim quase me ensurdeceram.”
Foi agraciado com riso, e quando isso terminou, disse que a cidade tinha estado em festa por mais de duas horas com o grito deles, “Grande é Diana dos Efésios”, e tudo sem razão, uma vez que não era necessária a gritaria para relembrar aos homens esse facto bem conhecido. Tinham estado a aquecer para um pico de comportamento selvagem e irracional. E advertiu-os para se acalmarem antes de fazerem alguma coisa de que depois tivessem que arrepender-se. Voltou-se para Demétrio. “Agora qual é a tua questão com estes dois homens?”
“Eles queriam profanar o Templo,” disse Demétrio sem hesitação.
O oficial da cidade perguntou a Gaio e Aristarco se isto era verdade e eles responderam que não. Então perguntou a Demétrio se os tinha visto a profanar o Templo ou ouvido linguagem abusiva contra a deusa Diana.
Demétrio estava a começar a ficar pouco à-vontade. “Não, mas …”
“Tu trouxeste estes homens aqui à força,” disse o oficial da cidade. “Isto por si mesmo é contra a lei.” Voltou-se de novo para a multidão. Não tendes acusação justa contra estes homens. Como o próprio Demétrio admite, eles nem roubaram o Templo, nem usaram linguagem blasfema contra a nossa deusa.”
Foi interrompido por um grito grosseiro: “Eles acabaram com o nosso negócio, como é isso?” e algumas observações de ira; mas ele continuou com firmeza, “se Demétrio e os seus trabalhadores têm alguma queixa contra estes homens e querem fazer uma acusação contra eles, as cortes estão abertas e há magistrados. Que façam uma acção legal. Se há algum assunto fora da jurisdição da corte dos magistrados, então deve ser tratado na Assembleia regular. Eu digo-vos, que vós mesmos estais em risco de serdes acusados de motim depois dos acontecimentos deste dia, porque não há sequer vestígio de desculpa para este comportamento desordeiro. Agora voltai tranquilamente a vossas casas.”
Ordenou a Demétrio que tirasse as cadeias de Gaio e Aristarco. Uma vez livres, pediu-lhes desculpa do incómodo, mas aconselhou-os a que de futuro procurassem guardar as suas opiniões para si próprios.
Retirou-se sem olhar para trás. Demétrio viu-o partir, depois cuspiu desprezivelmente para os seus ex-prisioneiros, e retirou-se, a queixar-se junto dos seus camaradas. Gaio e Aristarco olharam um para o outro, e frouxamente sorriram de alívio por terem escapado, enquanto massajavam os seus pulsos magoados pelas cadeias.
Depois do tumulto em Éfeso ter acabado, Paulo juntou todos os fiéis na cidade e deu-lhes um coração novo com palavras de esperança e encorajamento. Depois levando consigo Gaio e Aristarco, amigos a quem tanto devia, rumou uma vez mais para a Macedónia.
Houve grande alegria em casa de Lídia quando Paulo voltou a Filipos. Lucas particularmente estava encantado por vê-lo salvo e de saúde. Encontrou de novo o governador da prisão e a sua família, e foi apresentado aos muitos novos membros da igreja que estava a crescer.
Mas estava ansioso por ir para Corinto, onde ele e Lucas souberam com tristeza que os irmãos estavam a começar a dividir-se em grupos separados. Apolo tinha estado a fazer ali um grande trabalho, mas sobretudo era também um pregador atractivo e eloquente, e disse que podia ter sido a sua maneira de ensinar que encorajou o povo a dividir-se e a terem pregadores favoritos, chamando-se a si próprios “homens de Paulo” ou “homens de Apolo.”
Paulo não fez muito caso desta divisão, dizendo, “Quem é que morreu na cruz por vós? Foi Paulo ou Apolo? Não, foi Cristo somente. Nós que falamos convosco somos servos do único Senhor. Não são belas palavras que devem motivar os vossos corações, mas sim o evangelho da verdade que partilhais uns com os outros. O evangelho de Cristo.”
Três meses mais tarde, planeavam-se outras viagens. Paulo e Lucas ficaram no cais a dizer adeus a Timóteo, Gaio e Aristarco que embarcavam para Troades, onde se propunham esperar por Paulo e Lucas no albergue do seu velho amigo Carpo. Depois Paulo e Lucas regressaram a Filipos para celebrar a Páscoa.
Quando finalmente chegaram a Troades, era apenas para uma semana de estadia. Na Sexta-Feira à noite deviam ter uma reunião na sala do albergue onde Paulo e Lucas se tinham encontrado primeiro, e aí Carpo, o estalajadeiro, estava a acender lâmpadas e candeias e a preparar pão e vinho, ajudado pelo seu jovem filho, Eutiques, que pedia a seu pai que o deixasse ficar não só para a refeição mas também para a reunião. Nunca tinha ouvido Paulo a falar. “Pode ser esta a última oportunidade,” suplicava. “Timóteo diz que vai sair amanhã.”
“Paulo está sempre a trabalhar,” disse o seu pai. “Nunca esteve aqui mais de uma semana. Bem, estou contente por o doutor Lucas estar com ele. Ele precisa de ter cuidados, isso é um facto. Onde é que ele foi desta vez, Timóteo?”
Ele tinha ido a Jerusalém, explicou Timóteo, celebrar a festa de Pentecostes, por não ter podido estar lá para a Páscoa. Estava já preparado para viajar quando estavam em Corinto, mas soube-se então que alguns dos seus companheiros de viajem, Judeus, planeavam desfazerem-se dele durante o percurso. Os seus amigos, conseguiram convencê-lo a não arriscar.
“Queres dizer que o teriam matado?” Perguntou Eutiques.
“É isso, Eutiques. Oh, não seria o primeiro atentado contra a sua vida. Já está bastante acostumado a isso.”
“E haveria mais,” disse Carpo, acrescentando com tristeza que pensava que Paulo nunca chegaria a Jerusalém – com todo o povo a planear contra ele daquela maneira, em cada ponto da viagem. “Não é muito popular em Jerusalém,” continuou, “ou é isso que oiço dizer. Seja o que for que o faz desejar ir até lá?”
Timóteo relembrou-lhe o que ele tinha esquecido: que Paulo ainda era um Judeu, e que esse dia era o Sábado Judaico, e que a refeição e a cerimónia faziam parte da maneira de se comportar como Judeu.
“Eu sei”, disse Carpo. “E eu não nego que fizeram muito por nós, pobres pecadores. Quero dizer, para nos mostrarem o caminho. O Filho de Deus não teria escolhido nascer Judeu sem uma razão. Mas se me perguntas, perderam a sua oportunidade. Estão tão agarrados a todos os velhos ensinamentos que não reconhecem a verdade quando a vêem… Eu sei que tu és parcialmente Judeu, rapaz, e eu não te quero ofender, mas preocupa-me muito ver o nosso Paulo a pôr a cabeça na boca do leão, por assim dizer.”
Timóteo riu-se destes temores. “Oh, eu não penso que seja tão mau como isso. Não é só para o Pentecostes que ele vai. Já perdeu muitos antes. Mas ele tem de manter a fé com os irmãos em Jerusalém da mesma forma que em qualquer outro lugar. Há entre eles uma terrível pobreza, sabes, e Paulo fez uma colecta para eles entre os irmãos da Grécia.”
Estavam ainda a falar, e Eutiques tinha obtido a permissão para ficar, quando Paulo e Lucas entraram, com Gaio e Aristarco. Paulo congratulou Carpo por ter conseguido obter tantas lâmpadas para a festa, tantas que aqueciam a sala. Eutiques, contente por ter sido útil, abriu a janela, e ficou a olhar para o pátio em baixo. “Há bastante gente à espera lá em baixo,” disse. “Posso dizer-lhes que venham para cima?” E tendo-lhe sido dito que sim, inclinou-se para fora e disse às pessoas em baixo que subissem ao terceiro andar.
Quando estavam todos juntos na sala de cima, cantaram um salmo e tomaram a refeição. A cerimónia que se seguiu continuou pela noite dentro. As altas, novas lâmpadas no candeeiro em forma de ramo, tinham ardido quase até ao fim, e ainda as pessoas ouviam, atentas a voz de Paulo.
Falou-lhes de dons espirituais, do Espírito Santo a trabalhar nos homens. “Deus trabalha em pessoas diferentes de maneiras distintas,” disse. “Como um corpo humano é um só corpo e contudo tem muitas partes, assim é com o corpo de Cristo do qual todos somos membros. Para isso é que existe a igreja, o corpo de Cristo. Ora, como sabemos o corpo não é um só, é composto por muitos órgãos, muitos membros. Se o pé dissesse por não ser mão, não pertenço ao corpo, não alteraria o facto, ou alteraria, de que o pé é parte do corpo? Se o ouvido dissesse, ‘eu não posso ver, por isso não posso fazer parte do corpo, tornaria isso o ouvido menos útil?” Houve um burburinho de riso dos ouvintes, e quando abrandou Paulo continuou a dizer que como Deus tinha dado a cada parte do corpo a sua função, fazendo juntamente um todo harmonioso, assim no corpo de Cristo, a Sua Igreja na terra, encontrariam os mesmos princípios de harmonia.
“Pela graça de Deus temos diferentes dons. Está nas nossas mãos usá-los para o melhor das nossas capacidades. Orai sempre e abri os vossos corações para os mais altos dons do espírito. E orai sobretudo pelo dom do amor. Porque eu poderei falar as línguas dos homens e dos anjos, mas se não tiver amor não sou nada mais que um gongo barulhento ou um címbalo a tocar. E se tiver o dom da profecia e conhecer todos os mistérios e todo o entendimento; se tiver fé de transportar montanhas, mas não tiver amor, não sou nada. Posso dar tudo o que tenho para alimentar os pobres. Posso entregar o meu corpo para ser queimado, mas se não tiver amor, de nada me aproveitará. O amor é paciente, é amável: não é invejoso, não é orgulhoso, nem rude ou egoísta. Não pode ser provocador, nunca é ressentido. O amor nunca se alegra com o mal dos outros, mas rejubila sempre com a vitória da verdade. Tudo suporta. Em tudo acredita, sempre espera; e tudo aguenta até ao fim. O amor nunca falha.”
“Virá o tempo em que ultrapassaremos a profecia. E quanto ao conhecimento, será tragado pela verdade. Porque conhecemos em parte e profetizamos em parte. Mas quando vier o que é perfeito, o que é parcial será lançado fora. Por agora o que vemos é uma imagem imperfeita num espelho. Mas depois veremos a verdade cara a cara. Entretanto, temos a fé, a esperança e o amor, estas três. Mas o maior de todos é o amor.”
Eutiques tinha tentado corajosamente estar acordado, para ouvir todas as palavras de Paulo. Sentou-se no peitoril da janela aberta, de costas para a fechadura, com a cabeça apoiada, até que pelo fim do discurso estava ferrado a dormir, sem se perturbar com o ruído dos comentários dos ouvintes da sala que estavam profundamente impressionados pelas palavras de Paulo.
Quando Paulo se sentou, Lucas pediu a Carpo que abençoasse o pão e o vinho. Ele tomou nas mãos um pedaço de pão e Timóteo ajudou-o na bênção Hebraica: “Bendito és, oh Deus, Rei do Universo, que da terra nos trazes o pão.”
Carpo partiu o pão e entregou os pedaços aos que estavam à direita e à esquerda. Quando ia tomar o jarro de vinho, Eutiques profundamente adormecido, escorregou de lado contra o fecho da janela. Abriu-se com o seu peso, e sem nada para o amparar, caiu por cima do peitoril da janela para o pátio três andares abaixo.
Uma mulher gritou, “Foi Eutiques; ele caiu!” Carpo com um grito de horror correu para a janela.
O corpo do rapaz estava estendido no pavimento do pátio, bastante abaixo. Carpo voltou-se e correu para a porta. Lucas pegou numa lanterna, e com Paulo e Timóteo apressaram-se atrás dele.
Desceram as escadas à pressa até ao pátio, onde Carpo se ajoelhou ao lado do rapaz, sustentando-o nos braços. A cabeça do rapaz descaiu para trás. Reprimindo grandes soluços, Carpo tomou-o apertando-o a si, e depois finalmente olhou para Lucas que tinha a lanterna que iluminava o rapaz.
“Faça alguma coisa por ele, doutor,” suplicou Carpo por entre lágrimas.”Você pode, não pode?”
Lucas colocou-lhe a sua mão no ombro para o acalmar e disse-lhe que pegasse na lanterna.
Com muita gentileza, Carpo pousou o rapaz no chão e a tremer pô-lo junto dos seus pés. Pegou na lanterna de Lucas que se ajoelhou ao lado de Eutiques procurando sentir-lhe o coração. Carpo pensou ter visto o doutor a abanar a cabeça e o seu medo transformou-se em certeza quando Timóteo e Lucas levantaram o corpo inanimado do seu filho e o deitaram num banco. Subitamente deu-se conta de que Paulo estava a seu lado e ouviu-o dizer, “Não tenhais medo.” Olhou para ele sem se atrever a ter esperança, quando Paulo se sentou no banco ao lado do corpo hirto, e pegou com as suas mãos na cabeça do rapaz.
Na sala de cima, os homens e mulheres estavam apinhados à janela. As mulheres, certas de que o rapaz tinha que estar morto depois de tal queda, estavam já a começar um lamento. Viram Paulo abandonar o grupo iluminado pela lanterna e a atravessar o pátio para casa. Todos os olhos se viraram para a porta ao ouvirem as suas pegadas a subir. As mulheres estavam ainda a lamentar quando ele entrou na sala.
Não há necessidade para este lamento,” disse ele bruscamente. “O rapaz está vivo.” E depois, antes de o poderem questionar, apontou para a mesa deserta. “Vamos,” disse. “O pão e o vinho estão à espera.”
Quando as pessoas se juntaram de novo à volta da mesa, Paulo pegou no pão, e disse, “Meus irmãos, esta ceia que juntamente comemos é a Ceia do Senhor. Comemos o pão e bebemos o vinho como membros do corpo do qual Cristo é a cabeça, lembrando ao fazê-lo a última ceia que Ele comeu com os Seus discípulos na noite em que foi atraiçoado. Nessa noite Ele tomou o pão, e depois de dar graças partiu-o, e disse, ‘Tomai e comei. Isto é o meu corpo repartido por vós. Fazei isto em memória de Mim’.”
Partiu o pão e deu-o aos que estavam à sua direita e esquerda, que por sua vez o partiram e deram um bocado a quem estava ao lado. Paulo tomou o jarro de vinho que deitou num copo.
“Da mesma maneira, depois da ceia, Ele tomou o copo, dizendo, ‘Este copo significa a nova aliança no Meu sangue. Sempre que o bebais, lembrai-vos de Mim’.”
Paulo bebeu do copo, depois passou-o ao próximo à sua esquerda. Foi passado à volta de mão em mão, bebendo dele cada um. E subitamente um som à porta fez com que todos olhassem. Ali com Carpo e Lucas de cada lado, estava Eutiques, um pouco inconsciente do que tinha acontecido, mas vivo e bem. Arranjou-se um lugar para o rapaz, e Gaio partiu um pouco de pão e deu-lho, enquanto alguém levantou o copo para ele do outro lado.
Eutiques olhou para o lugar da mesa onde estava Paulo, e este sorriu-lhe dizendo, “Come e bebe meu filho. E o corpo de nosso Senhor Jesus Cristo que te foi dado, preserve o teu corpo e a tua alma para a vida eterna.
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Eutiques |

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